A origem mitológica do Ram Muay no Muaythai

as referências hindu-budistas dentro do ram muay e sua construção através do tempo

Publicado em 01/08/2023

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A origem dos ritos praticados dentro do muaythai são oriundos do Budismo theravada, Afinal o muaythai nasceu em um território construído em cima dos preceitos de ambas as crenças. Mas foi na Corte Real Tailandesa que esses símbolos se tornaram mais relevantes a partir da dança. Dentro da cultura tailandesa, a dança é uma arte muito importante, possuindo variações como Khon, Lakhon Nai e Li-khe.

A dança tem forte influência na cultura indiana, e até o começo do século XX, a dança era uma arte de acesso apenas a casa real tailandesa e não ao público. A partir do reino de Rama II (1809 – 1824), a arte e a cultura receberam um aporte muito grande, o próprio rei era um escritor e poeta. Além de financiar vários escritores e poetas pelo reino de Sião.

A DANÇA KHON

A mais tradicional e conhecida é a dança Khon, sua origem pode ser traçada a 400 anos atrás com influência da dança hindu realizada em templos baseada na cerimônia sagrada de Brahman, recontando a história de Vishnu. A Dança Khon era no principio executada apenas por homens vestindo máscaras, além de contar com um narrador e música (piphat). Os atores eram divididos em quatro categorias: phra (lordes), nang (damas), yak (monstros), e ling (macacos).

Toda a apresentação é baseada no épico Ramakien, versão tailandesa do conto Ramayana indiano. Atualmente o público pode assistir no teatro as apresentações Khon, assim como mulheres hoje podem participar do elenco regular da peça e homens e mulheres não utilizam mais máscaras e sim maquiagem. Personagens como monstros e macacos, ainda utilizam máscaras.

como dito, no inicio a encenação era exclusiva para a nobreza tailandesa, como parte da alta cultura da corte. Somente no começo do século XX essa cultura ficou disponível ao público comum.

Teatro Khon

RAMAKIEN (A glória de Rama)

Conto épico baseado no Ramayana indiano, faz parte da cultura thai desde seu inicio, no século XIII. Porém após a destruição de Ayutthaya, capital de Sião em 1767, boa parte dos textos foram perdidos. Foi somente no Reino de Rama I (1782 – 1809) que uma versão foi compilada e ampliada.

O próprio rei, Rama I, acrescentou cenas e personagens ao épico, deixando ele mais próximo da cultura Thai ao invés da versão indiana. O texto pode ser dividido em três partes: a primeira trata das origens dos personagens principais, a segunda descreve os eventos dramáticos, incluindo a queda de Thotsakan, e a parte final descreve o que aconteceu depois da guerra.

No primeiro Ato, começa com a história de Phra Narai na forma de um javali vencendo o demônio Hiranyaksha . Isso é seguido por um relato das origens dos ancestrais de Thotsakan. De acordo com Ramakien, Phra Isuan concede a seu servo Nonthok uma bênção que lhe permite transformar seu dedo em um diamante e destruir qualquer um para quem ele o apontar. Conforme Nonthok começa a abusar desse poder, Phra Narai assume a forma de uma mulher encantadora que dança na frente de Nonthok, que tenta imitar o movimento de suas mãos. Em um momento, ele aponta o dedo de diamante para si mesmo e morre instantaneamente. Nonthok renasce mais tarde como Thotsakan.

Phra Ram e seu Arco

No segundo Ato, trata do drama principal da história. Phra Ram e Nang Sida se apaixonam à primeira vista antes de uma competição de arco e flecha. Um corcunda chamado Kucci instiga a rainha a pedir o banimento de Phra Ram do reino.Ele parte para viver na floresta com Nang Sida e seu irmão Phra Lak, onde encontram Sammanakha, que assumiu a forma de uma bela donzela. Ela tenta seduzir os dois irmãos, mas eles resistem e a castigam. Como vingança, Thotsakan sequestra Nang Sida para seu palácio em Lanka.

O “demônio” Thotsakan

Phra Ram e Phra Lak (irmão de Ram) encontram Hanuman, o deus macaco, e pedem a ele que ajudem a encontrar Nang Sida. Quando Hanuman localiza Nang Sida em Lanka, ele se identifica mostrando seu anel e lenço e recontando o segredo de seu primeiro encontro com Phra Ram. Hanuman é então capturado pelo filho de Thotsakan, Intharachit, mas foge enquanto incendeia Lanka.

Depois de muitas lutas e tentativas de traição dos aliados de Thotsakan, Phra Ram consegue matar Thotsakan e Intharachit e libertar Nang Sida. Depois que ela passa por uma prova de fogo para testar sua fidelidade, Phra Ram a leva com ele para Ayutthaya e concede várias partes de seu reino a seus aliados.

No ato três, Depois que Nang Sida desenha Thotsakan em uma lousa, Phra Ram ordena que Phra Lak a leve para a floresta e a mate. Em vez de fazer o que foi ordenado, ele traz para Phra Ram o coração de uma corça para induzi-lo a acreditar que Nang Sida está morto. Na floresta, Nang Sida encontra refúgio com um eremita chamado Wachamarik (Sage Valmiki) e dá à luz dois filhos: Phra Monkut (Kush) e Phra Loph (Lav) . Phra Ram decide levá-la de volta para Ayutthaya, mas ela se recusa e desaparece no submundo. Finalmente, Phra Isuan reúne Phra Ram e Nang Sida novamente.

Hanuman – O deus macaco

WAI KRU RAM MUAY

O Wai Khru existe em praticamente todas as artes performáticas tailandesas, desde a música tradicional, até a dança clássica Khon e outras artes de luta, como Krabi krabong (luta de espadas), é importante entender a própria cultura tailandesa e o significado por trás das palavras Wai Kru Ram Muay.

Ram é a palavra tailandesa para “dança” clássica, com Muay significando “boxe”, então Ram Muay significa a dança dos boxeadores. O Ram Muay é usado tanto como alongamento quanto como aquecimento físico e mental antes da luta.

Cada campo de luta e professor terá seu estilo de Ram Muay, alguns serão muito complexos, enquanto outros são bastante simples. Lutadores com diferentes professores e diferentes regiões da Tailândia ou países Ram Muay serão todos únicos, como uma forma de expressar suas origens e raízes únicas.

Você pode pensar que o Wai Kru é um costume budista, mas estaria errado, pois não entra em conflito com nenhuma outra crença religiosa do boxeador tailandês. Certos combatentes muçulmanos, particularmente no sul da Tailândia e Malásia (alta população muçulmana), realizarão o Wai Kru usando seu Mongkol em cima de seu Keffiyeh, que é o objeto árabe tradicional.

Portanto a dança sempre esteve presente como forma de arte, além da música como acompanhamento. Desde o período Ayutthaya (século XIV – XVIII), como arte exclusiva da casa real tailandesa, aos dias de hoje, como arte acessada por todos. O teatro Khon possui música ao vivo própria, assim como antigas apresentações no palácio real. O muay não está fora desse leque. Como arte marcial apresentada geralmente nos jardins do palácio, a música fazia acompanhamento.

O Ram Muay é a forma de representar a cultura Thai, através do Ramakien. Seus movimentos são representações simbólicas do conto épico. Da jornada de Phra Ram em busca de sua esposa, com ajuda do guerreiro Hamunan até derrotar o monstro Thotsakan. Já o Wai Kru (reverência ao professor) é uma prática comum não só no muaythai, mas em toda relação professor-aluno. Mostrar respeito e gratidão a seu professor é comum na cultura tailandesa.

MOVIMENTOS DO RAM MUAY

o Ramakien também teve uma grande influência no Muay Boran, pois os nomes de algumas técnicas derivam de eventos contados no Ramakien, alguns exemplos são “Hanuman Hands the Ring” e ” The Demon Kidnaps the Princess “. Outros exemplos são:

Yang Sam Khum – Os 3 passos dourados de Visnhu

Existem muitas técnicas de Muay Thai inspiradas em mitos e lendas indianas. O yang sam khum (movimento de três passos) não é exceção, baseado na história de Phra Rama, que usou sua inteligência para enganar o gigante demônio Thotsakan.
Thotsakan teria sido inicialmente um dos guardas do céu, e recebeu uma benção da deusa Vishnu, porém o mesmo tornou-se vaidoso ao solicitar 160 quilômetros quadrados de terra nas quais teria o poder de devorar qualquer homem, deus ou animal que se perdesse em sua terra.

O demônioThotsakan tornou-se cada vez mais ganancioso e indulgente com o sangue, até mesmo usando a meditação para preparar magia e atrair mais e mais vítimas. Aqueles que conseguiram escapar imploraram ao Senhor Shiva para intervir, mas sempre concedia uma bênção se solicitado, não tinha o poder para desfazer qualquer bênção ou feitiço posterior. Lord Shiva então ordenou que Lord Rama (avatar de Vishnu) se livrasse do demônio.

Phra Ram então disfarçado no corpo de um menino encontra Thotsakan e solicita a ele um pequeno espaço de seu território para realizar um ritual em homenagem a Bhrama (entidade suprema do hinduísmo). Nesse momento Phra Ram se transforma novamente e com três passos ocupa todo o território dado a Thotsakan e o esmagando. Essa é a versão hindu, porém há uma versão tailandesa, muito próxima a citada nesse livro, a intenção é transmitir a ideia por trás do movimento, ao invés de descrever as várias versões da mitologia.

Portanto Yang Sam Khum é a abordagem muito utilizada no Muay Chaiya para avançar e recuar. Permite que os lutadores ataquem e defendam em todos os momentos. Os passos dianteiros e traseiros são dados em zigue-zague, com os pés posicionados para uma caminhada de três pontos ou triângulo.

 

Sao Noi Pa Pang

Temos ainda no muay feminino a postura Sao Nao Pa Pang (a jovem que aplica talco no rosto). Toda a série de movimentos é uma homenagem a um personagem famoso da lenda tailandesa. A dança começa imitando uma caminhada à beira de um rio, seguida de banho e, por fim, aplicação de pó no rosto. Um lutador pode ajoelhar-se ou ficar equilibrado sobre uma perna, movendo as mãos como se estivesse aplicando pó de talco ou maquiagem no rosto.

Hong Hern

O vôo do cisne. Nesta dança, o lutador se moverá para cada lado do ringue e conduzirá uma série de movimentos que lembram um pássaro batendo suas asas bem devagar enquanto se apoia em uma perna. Esta é uma versão mais moderna do Ram Muay e pode ser vista em muitas academias com pequenas variações.

Pra Ram Tam Gwang

Rama segue o cervo. Essa série de movimentos inclui muito ajoelhar-se e levar a mão à testa como se estivesse protegendo os olhos da luz do sol para ver melhor sua presa. Alguns lutadores até esfregam as mãos em “antecipação”, por terem visto sua presa. Esse movimento inclui imitar o ato de desenhar flechas, amarrá-las em um arco e atirá-las no oponente. Frequentemente, o oponente é “errado” três vezes, cada vez que o lutador se ajusta e se aproxima de seu alvo. Você pode até fazer o adversário jogar junto, desviando ou quebrando as flechas imaginárias. A última flecha é reconhecida como acertada pelo executante, antes de retornar ao seu canto.

SENTIDO HORÁRIO – SENTIDO ANTI HORÁRIO

Existe uma discussão a respeito do sentido que o lutador irá caminhar dentro do ringue, horário ou anti-horário? Bom, devemos conhecer o conceito chamado Pradaksina. Conceito anterior ao budismo, já era citado nos Vedas, antigos textos da cultura Indiana. A prática consiste em andar em volta do mestre ou de um abjeto sagrado no sentido horário.

Ananda discípulo de Buda, circulava seu mestre 3 vezes, se ajoelha, descobre o seu ombro direito e o saúda com uma reverência. Mas por que sentido horário? Porque na Índia desde tempos imemoriais até hoje, a mão direita representa o puro, é a mão com que se come, oferece incenso, já a mão esquerda era considerada impura, pois sua função é/era se limpar.

Algumas outras correntes de pensamento filosófico-místico correlacionam a mão direita com o caminho da alma (espiritual) e a mão esquerda com o caminho mundano (terreno).

Porém há treinadores tailandeses que optam pelo sentido anti-horário, mas porque? A suástica budista, chamado no Japão de Manji (万字) é considerado um dos símbolos religiosos mais antigos que existem, está presente em culturas como Hindu, Celta, Grega, Judaica, Nórdica, Budismo, Jainismo, Sikhismo e Taoísmo. O nome “suástica” é derivado da palavra sânscrito (língua ancestral da Índia) “Savstika“, que basicamente significa “bem-estar”.

Templo Budista Japonês

Os 4 braços ligados a estes eixos para representar o movimento, a Força girando criado pela interação dos elementos, Eles também apontam 4 direções, que representam as quatro vedas, as quatro escrituras sagradas mais antigas da história na qual ensinam a filosofia da vida ensinada por Deus.

O símbolo Manji (suástica), quando virado para a esquerda Omote (frente), representa amor e misericórdia. quando virado para a direita Ura (parte traseira) representa força e inteligência. Talvez a intenção de andar no sentido anti-horário faça justamente referência a esse conceito.

Suástica Budista

A suástica do partido alemão adotado em 1920 se tornando o símbolo do nazismo, nada tem a ver com as crenças descritas aqui, o símbolo nazista possui uma inclinação de 45º e um circulo em volta do símbolo.  Seus motivos e criação tiveram um outro propósito.

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