Você entende o papel dos corners em uma luta?

Publicado em 15/06/2015

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“Então, sempre acredite e escute seu corner. Ele é o termômetro da luta!” Leonardo Elias

Há tempos quero falar sobre os “corners”… lembro de estar no Rajadamnerm Stadium e eu, por alguns segundos, esqueci da luta e fiquei só olhando para o treinador do meu ginásio gesticulando, meio bravo, gritando embaixo do ringue pro seu atleta que claramente estava perdendo a luta.

Cheguei a ver, em outras oportunidades, outros sorrindo, gritando junto com os apostadores, fazendo gestos com as mãos que eu não conseguia entender simplesmente nada.

De algum modo aquilo me fascinou.

Vocês já assistiram a luta entre o Saulo Salge e o Marcos Vuvuzela na Copa Titanium, evento que aconteceu semana passada?

Pode não fazer muito sentido, mas eu achei que essa luta poderia ser um belo gancho para eu falar sobre esse assunto: o papel do corner.

Se não assistiu, assista. Não só pra entender onde eu quero chegar, mas porque foi um lutão. Saulo tomou um knock down no 3º round e voltou um monstro no 4º.

Não tenho nem o que falar sobre o lutador guerreiro que o Saulo é, não há dúvidas. Mas pensei: o que será que aconteceu naquele intervalo que fez ou ajudou o Saulo voltar com toda aquela garra, pronto para virar a luta?

Para Luiz Rico Fialho, da Plaza Fight Team, treinador e corner do Saulo, nada disso teria acontecido se o Saulo não tivesse coração. Ele diz que para ser corner é necessário um conjunto de coisas: é preciso conhecer o atleta no seu íntimo, conhecer suas habilidades, ter uma relação de confiança, de fortaleza, tentar sempre colocá-lo para o alto, saber cobrar nas horas que tem que cobrar, não passar a mão na cabeça, tentar fazer com que ele execute seu trabalho primeiro por amor e depois por todos que estão ao seu redor querendo seu bem, seu sucesso e que lutam diariamente ao lado dele. “Se não tiver o feeling não adianta, você será só um bom padman. Treinador e corner é mais que isso, muito mais.”

Saulo concorda: “é isso mesmo, uma relação de confiança. O corner tem que saber ler a luta pra poder passar ao atleta os caminhos pra vitória, principalmente num momento desfavorável. Cada atleta tem uma característica própria e o treinador tem que ter a sensibilidade de trabalhar o forte de cada um. Tem uma grande diferença entre treinador e um bom puxador de TPao. Treinador te cobra, te exige mas também tem a relação de confiança e amizade e isso que te dá tranquilidade pra extrair o máximo num treino ou numa luta.”

O atleta Saulo Salge e seu treinador e corner Luiz Rico Fialho

Meu primeiro treinador, que eu carinhosamente chamo de mestre, me contava muitas histórias. Uma delas foi sobre uma lutadora que foi sozinha lutar em um evento e acabou pedindo para ele, que não a conhecia, ficar em seu corner.

Ele aceitou, se não me engano ela ganhou. Fiquei imaginando essa situação…

Meu mestre mesmo me disse que o que ajuda é a preocupação do treinador com seu lutador. Conhecê-lo não só externamente, mas no interior, saber da sua garra, seus defeitos, juntar tudo isso e aí bolar uma estratégia. Mas acima de tudo, gostar e se preocupar com quem está lá em cima do ringue.

Eduarda Campos, atleta da JR Pride – Rio grande do Sul, também já passou pela experiência de ter em seu corner alguém que não era seu treinador.

No Mundial foram dois técnicos da seleção que não eram os dela. Foi difícil reconhecer suas vozes durante o combate. Mas um atleta precisa ser versátil para se adaptar a situações que lhe são apresentadas. Quando ela pode escolher, escolhe pessoas que estão acima e são próximas a ela. Essa pessoa acaba tendo uma visão diferente da dela e da adversária e isso acrescenta no jogo. Tanto que cada troca de rounds, ela diz que entra de uma forma diferente no ringue já que foi informada com uma nova perspectiva.

Segundo Alberto Santos, pesquisador em psicologia do esporte, o corner é o terceiro olho do lutador. E para que a informação desse outro olhar chegue nos atletas durante a luta, é muito importante que o lutador consiga isolar o máximo de estímulos que estão acontecendo ao seu redor e consiga focar apenas no adversário e no seu treinador.

Isso será um diferencial, o foco!

Cosmo Alexandre, atleta da 013 e campeão intercontinental pela WMC, mundial pela WPMF e do King’s Cup, me disse que não importa quantas mil pessoas tem no evento, quando ele está no ringue e o João Fernandes, seu treinador, no seu corner, ele consegue só ouvir a voz dele.

Disse que é importante esse atleta e o corner treinarem juntos, ter uma sintonia. Assim, fica mais fácil só ouvi-lo mesmo.

João Fernandes e Cosmo Alexandre

Para João Fernandes, esse trabalho começa nos treinos. Durante trabalhos como clinch ou sparring ele observa os atletas e já dá alguns comandos com uma ou duas palavras que definem o que tem que ser feito.  Assim, o aluno já fica com o ouvido acostumado, facilitando a comunicação no meio dos rounds. Mas, para ele, o principal momento do trabalho do corner acontece no intervalo.

Normalmente, junto com o treinador, vão mais dois auxiliares que também costumam ser alguém que conhece o atleta.

João diz que sempre tenta manter a calma, e conversar com esses outros dois, como se estivesse assistindo a uma luta, comentando, analisando o que está acontecendo. Como dizem por aí, “quem tá de fora, vê melhor as coisas.”

E também tem que “deixar o coração um pouco de lado” e passar tranquilidade para o lutador que provavelmente já está com a adrenalina a mil.

Mas o que será que é dito durante o tempo de intervalo?

O João joga a real com seus atletas. Se o lutador ta jogando mal, ele fala. Se tá perdendo, mostra a realidade. Além de tranquilizar o atleta, a função do corner é mostrar o caminho da luta: “Ó, o adversário está sentindo esses golpes” ou “Não insiste nisso que o adversário já se ligou nesse jogo.”

A experiência do Cosmo Alexandre na Tailândia, mostra como o corner expõe esse caminho de forma diferente por lá.

“Na Tailândia me ajudavam, mas era naquelas, né? Ou me mandavam chutar ou me mandavam clinchar. Não tinha tática, falavam só golpes, se era pra eu chutar mais de direita ou de esquerda…”

Quando a Tainã Ursa, também da 013, fez suas lutas na Tailândia, de início, pôde contar com João Fernandes e Léo Elias, mas em situações que estavam apenas o tailandeses nas suas lutas, era meio caótico, ela disse:

“Além dos treinadores do campo que eu já conhecia, vinham uma porção de outros tailandeses querendo falar algo, se não prestasse atenção só nas vozes conhecidas eu ia me confundir… era uma mistura de tailandês, inglês, e como eles conviviam com muitos brasileiros, saia uns ‘chut, chut’ em português. Eles sabem mais do que qualquer um sobre o que estão falando, mas não é o mesmo que alguém que fala o seu idioma, dizendo exatamente o que fazer.”

Leonardo Elias fazendo trabalho de corner e tendo como auxiliar o atleta Renan Cortes

Leonardo Elias, da Elite Fight Club Phuket, relata que na Thai, geralmente quem sobe no ringue não são os treinadores, e sim outros lutadores – estes fazem massagem, colocam gelo, dão água mas não falam nada. Quem fala mesmo é o treinador fica lá embaixo controlando a luta.

O lutador sempre obedece ao que o corner manda porque o corner além de estar vendo a luta, está vendo as apostas e assim  já sabe quem está ganhando e como proceder.

Esses treinadores só sobem no ringue em lutas ‘importantes’, ou quando a coisa está muito feia – quando o lutador está perdendo ou muito machucado.

E como se forma um treinador/corner?

Olha, vou dever essa, mas Reni Fraga, da Siam Fight Muaythai e protagonista do documentário A Lama – No meio de tudo, existe um treinador, lançado semana passada, divide sua experiência com a gente.

Primeiro, para ele, o trabalho de corner se inicia antes do combate, até mesmo na viagem para a luta, onde cada atleta reage de sua própria maneira, uns calados, outros mais falantes e o treinador tem que saber e respeitar isso.

No vestiário, todo cuidado é pouco. Ele já presenciou casos que uma palavra mal colocada colocou tudo a perder. Tem que se filtrar muito o que se diz, seja um elogio ou uma cobrança.

Aí vem a parte básica, fazer a mão, massagem, aquecer… feito isso vem uma das partes mais importantes que é a ida até o ringue. Na cultura do Brasil muitas vezes é um momento de guerra. Já aconteceu de um atleta seu ser hostilizado, vaiado no caminho. Essa situação o fez tremer e ficar perdido durante a luta.

“Na verdade, foi uma situação nova até para mim. Na época serviu de lição para tentar trabalhar melhor a mente deles e até a minha.” Ele diz.

“Eu, por experiência própria, posso dizer: é um trabalho cheio de erros e acertos, eu mesmo errei muito e só com o tempo fui revendo algumas coisas. No início gritava de forma até descontrolada, o que em alguns casos deixava o atleta nervoso ou então eu só gastava saliva, e que luta após luta a pessoa vai aprendendo algo novo, evitando repetir certos erros.
Outra coisa que gosto de fazer é observar grandes treinadores e corners, seja em vídeo ou mesmo em oportunidades como treinos e seminários. Tirar dúvidas, perguntar e procurar melhorar, assim como seu atleta tem que sempre evoluir, seu treinador/corner também precisa seguir essa evolução.”

Para fechar, será que o corner tem o poder de ganhar uma luta?  Leonardo, Cosmo e Tainã dão sua opinião:

“Na minha opinião, corner ganha luta. Se você  tem um bom corner, confia nele e faz o que ele manda é difícil perder por detalhes bestas! Mas também tem o outro caso, se tem um corner ruim ele pode fazer você perder a luta ou deixar uma luta fácil, complicada!” Leonardo Elias

“Corner com certeza ganha a luta, o corner com uma visão boa vai ajudar100% o atleta a reverter uma luta ou até no mesmo no começo da luta conseguir impor.” Cosmo Alexandre

“Eu mesma já venci lutas graças ao corner que me mostrou a melhor forma, sem esse trabalho não teria vencido!” Tainã Ursa

E você, o que acha sobre esse assunto? 🙂

 

Beijão,

Paula.

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