AS 5 MENTIRAS MAIS FAMOSAS NAS ARTES MARCIAIS

Se você é velho como eu, cresceu em frente a TV assistindo séries, filmes e desenhos sobre Arte Marciais, você viveu a melhor época da vida. De clássicos como O grande dragão branco à minha franquia favorita American Ninja. Era a pura cultura dos anos 1980, e com toda certeza posso afirmar que moldou toda uma geração.

Porém boa parte do que julgamos saber sobre arte marciais não são verdadeiras, mas criações de filmes e séries apenas para entretenimento. Sendo assim vou lhe contar 5 mentiras famosas sobre artes marciais que você acredita até hoje.

1.DIM MAK O TOQUE DA MORTE QUE NÃO É MORTAL

Graças a dezenas de filmes produzidos entre os anos 1970 a 1990, vários conceitos sobre artes marciais foram literalmente criados por produções cinematográficas, um ótimo exemplo é o famoso Toque da Morte. Clássicos filmes de Kung-fu apresentaram a ideia de um golpe tão mortal que apenas um único golpe seria capaz de matar seu adversário.

Em 1973 a revista Black Belt muito famosa por seus artigos, publicou sobre a teoria que Bruce Lee teria sido morto através do Dim Maak. O Toque da Morte foi muito utilizado em filmes com temática Kung-Fu, como os clássicos Clan of the White Lotus (1980) e Executioners of Shaolin (1977) do estúdio Shaw Brothers, talvez o estúdio mais importante quando o assunto é cinema kung-fu.

A prática é baseada na medicina chinesa e em pontos de pressão no corpo humano, que sim são reais. Você possui nervos e artérias que são acessíveis, e golpes com muita força podem causar um dano real ao corpo. Porém um toque apenas é impossível causar uma parada cardíaca ou rompimento de artéria.

Count Dante o homem mais perigoso do mundo

Anuncio de revista sobre o toque da morte

Durante os anos 1970 surge Count Dante, um praticante de karate faixa preta 7º Dan, porém ele ficou famoso nos USA por afirmar que foi treinado por um mestre ninja e aprendeu os segredos do Dim Mak, o toque da morte.

Dante para divulgar seu poder fazia publicidade em publicações de histórias em quadrinhos, vendendo seu manual da morte por 25 centavos (valor da época) e você ainda poderia se inscrever na Black Dragon Society, uma ordem secreta de lutadores.  E claro que deu certo, qualquer criança até o final dos anos 1990 gostaria de fazer parte de uma sociedade secreta de lutadores e aprender a explodir corações com apenas um toque. Você pode conhecer melhor a história de Count Dante em nossa matéria: Conheça 4 mestres falsos de Artes Marciais e suas influências

2. SAMURAIS UTILIZAVAM ARMAS DE FOGO

Ashigaru usando armas de fogo e escudos de tatame

Em 1543 devido a uma tempestade, portugueses ancoraram no porto de Tanegashima no Japão. Abordo eles utilizavam arcabuzes, armas de fogo da época. O chefe da ilha comprou 2 armas de fogo e mandou seus ferreiros copiarem o projeto da arma e produzir suas próprias armas.  Os portugueses ficaram aproximadamente um ano na ilha e com isso dezenas de armas foram produzidas.

Em 1549 Oda Nobunaga um dos maiores samurais da história encomendou 500 armas de fogo para seu exército. Isso mudou completamente o cenário de batalha no período samurai mais importante, o Sengoku Jidai. A arma de fogo obrigou o design das armaduras serem repensados, bloqueios com madeira eram feitos para bloquear os tiros, as táticas de combate foram alteradas, tudo graças ao uso de arma de fogo pelos samurais.

3.A FAIXA PRETA É UMA CRIAÇÃO MODERNA

Jigoro Kano é uma das figuras mais conhecidas dentro do meio marcial, conhecido como o fundador do Judô, começou estudando Jujutsu com origem no Bujutsu (técnicas de combate utilizadas no período samurai). Em 1882 Jigoro Kano Sensei funda a Kodokan.

Jigoro Kano Sensei

Fato importante é que graças a ideia isolacionista japonesa as artes marciais eram proibidas de serem ensinadas a estrangeiros ou mesmo a civis. O ensino era repassado no formato de Menkyo, ou seja, uma licença concedida pelo Dojo ao aluno experiente para ensinar outros. E Menkyo Kaiden representava a licença para repassar o conhecimento completo da arte. Porém tal licença era bem rara.

Jigoro Kano começou a ensinar civis, estrangeiros e qualquer pessoa que tivesse interesse em aprender. Esse foi o primeiro passo para a quebra do paradigma do ensino da Arte Marcial se tornar acessível. Não foi um processo simples, mas deu certo. Já em 1907 Jigoro Kano introduziu o uso do Judogi (kimono) e já utilizava duas faixas. Branca (alunos) e Preta (instrutores). Os dois primeiros alunos a conquistarem a “faixa preta” foram Shiro Saigo e Tomita Tsunejiro.

Já na década de 1930 outras cores foram acrescentadas ao sistema de ensino já que o esporte tinha se tornado bastante popular mas o nível de aprendizagem variava muito. Portanto a intenção da graduação foi apenas separar de forma mais clara os alunos mais dedicados e instruídos.

Existe uma ideia errada no ocidente que a faixa preta é o final da jornada dentro da arte marcial. O grau preto seria a comprovação que o lutador sabe muito, porém isso não é verdade. Dentro das artes marciais japonesas existe o termo “Shodan”. Em tradução simples Shodan seria “o começo do caminho”, ou seja, a faixa preta é apenas o começo dentro do caminho. O estudo da arte marcial se inicia de fato na faixa preta, não que haja segredos, mas a real dedicação começa nessa etapa. Portanto chegar a faixa preta apenas é sinal que o caminho está só começando.

A relação com “mestres” e posteriormente “grão-mestre” está ligado ao Menkyo, a autorização ou licença de alguém com um grande conhecimento da Arte para que alguém possa repassar esse conhecimento. Portanto, dentro do conceito marcial, ser Mestre é deter um conhecimento vasto sobre a arte. Dominar conceitos práticos e filosóficos e uma capacidade de ensinar de forma completa esse caminho.

Menkyo original

4.NINJAS NUNCA EXISTIRAM

Eu sei que estou acabando com sua infância, mas calma. Vamos a história. Antony Cummins é um pesquisador e escritor a respeito do universo samurai e ninja. É possível encontrar seus livros na Amazon, ou conferir seu canal no youtube. Mas vou utilizar suas pesquisas para explicar essa questão delicada.

O termo NINJA é moderno, criado no século XX e faz referência ao termo real japonês SHINOBI NO MONO. Há registros de Shinobi durante o período EDO (1603 – 1867), quando o País já estava unificado e não haviam mais guerras. A grande questão é que a função de Shinobi seria de espionagem e contra inteligência, ou seja, plantar uma informação falsa para confundir o inimigo. Ele andava entre as pessoas, ninguém jamais poderia descobrir quem ele realmente era. Um shinobi era em si um espião.

Essa função não era realizada por pessoas normais, mas sim por Ashigaru, ou seja, samurais de baixa classe. Porém não há nenhuma documentação que indique que Shinobi eram assassinos, muito menos que vestiam roupas pretas e corriam com espadas nas costas. Alias o professor de história Medieval com foco em armas medievais, Thiago Braga, neste vídeo deixa claro que usar “espada nas costas” não faz o menor sentido prático.

KOUGA E IGA

Se você é fã de filmes, séries ou animes sobre o tema ninja, com certeza já ouviu falar dos Clãs Kouga e Iga, os maiores clãs de ninjas que já existiram, certo? Errado.  Kouga e Iga eram territórios de famílias samurais, que possuíam conexões por todo o Japão, e contavam com samurais especializados em vários pontos do país, portanto seus serviços eram muito requisitados. Eram espiões, soldados e agentes que trabalhavam muito bem. Mas nada de roupa preta e poderes mágicos.

JAMES BOND E A PALAVRA NINJA

Foi apenas em 1967 no lançamento do filme James Bond “You Only live twice” que a figura de um “ninja” com roupa preta foi utilizada. Até aquele momento essa ideia ainda não existia na cultura pop. Com a explosão da Ninja Mania, dezenas de filmes, jogos, brinquedos e qualquer coisa que desse dinheiro, foi feito.

Portanto a figura de roupa preta com técnicas secretas e um ar assassino nunca existiu. Mas Tiago, e as escolas de ninjas? O Jiraya? Meu vizinho que tem estrela ninja? Sinto muito, nada é real.

O Japão começou a romantizar a figura do Shinobi durante o período EDO, como seres místicos, poderes e assassinos silenciosos, mas o período EDO era um período de paz, de um Japão unificado e da classe samurai estabelecida como classe social e não mais uma classe guerreira, já que não havia mais guerra. Portanto eram histórias apenas para entreter as pessoas.

A grande verdade é que pesquisas sérias sobre o tema começaram de fato apenas em 2013 lideradas por estrangeiros interessados no assunto de forma acadêmica. Recomendo assistir os vídeos de um grande estudioso abaixo:

5.ARTES MARCIAIS SÃO MODERNAS

Essa é simples para explicar, antes da segunda guerra mundial o mundo era muito diferente. O acesso a informação era quase nulo e não sabíamos quase nada sobre o que havia lá fora. Dentro do Japão por quase mil anos sua cultura de guerra era restrita e não difundida, essa cultura se tornou o que chamamos de Koryu ou Kobudo.

De forma geral são as reais artes marciais praticadas no período samurai, técnicas de espada, bastão, lança, arco e flecha e combate corpo-a-corpo. Essas escolas existem até hoje, foram preservadas por gerações passando de família em família, como por exemplo:

• kenjutsu 剣術, técnicas de esgrima
• iaijutsu 居合術, técnicas de saque da espada
• sojutsu 鑓術, técnicas de lança
• ju-jutsu 柔術, técnicas de luta corpo-a-corpo. (Não confundir com o jiu-jitsu brasileiro)
• naginatajutsu 薙刀術, técnicas de naginata, a alabarda japonesa
• kyujutsu 弓術, técnicas de arco e flecha
• bojutsu 棒術, técnicas de bastão
• shurikenjutsu 手裏剣術, técnicas de armas de arremesso
• bajutsu 馬術, técnicas de equitação
• jingaijutsu 陣貝術, técnicas de sopro de conchas de batalha
• suijutsu ou suirenjutsu 水術, técnicas de natação
• jittejutsu, técnicas de jitte
• kusarigamajutsu, técnicas de kusarigama, uma arma composta de corrente e foice

Porém após o fim do período samurai em 1867 com a queda do Xogunato, essas escolas foram proibidas, assim como o porte de espadas ou qualquer prática marcial. Alguns anos após a proibição o Japão tornou legal o ensino porém essas escolas se tornaram GENDAI BUDO, ou seja, as escolas novas de arte marcial, como por exemplo:

• Aikido
• Judo
• Jukendo
• Iaido
• Karate-do
• Kendo
• Kyudo
• Naguinata-do
• Shorinji kempo
• Hijutsu

A diferença era clara, o Gendai Budo era um esporte de combate, com regras, proteções e buscava ser uma atividade sem objetivo marcial real. Esse processo ocorreu no Japão, china, Coréia e Tailândia.

     ARTE                                                                    CRIAÇÃO                                                            FUNDADOR

**O termo “Kung-Fu” em tradução direta quer dizer “trabalho duro” ou “habilidade”, e não uma arte marcial própria. Jean Joseph Marie Amiot, francês cometeu esse erro de tradução que até hoje prevalece. Não vou entrar no mérito da história do Kung-Fu/Wushu/Sanda porque seria bem mais justo uma matéria apenas para explicar tudo. Mas de forma geral o governo chinês em 1958 a partir da Comissão Nacional para Esportes Físicos  padronizou todo o ensino. Formas, currículo, técnicas gerais, e principalmente escolas como  Shaolin, Tai chi, Wudang foram incorporadas ao sistema.

FONTE:

1. Antony Cummins – http://www.natori.co.uk/ 

2. The Deadliest Man Alive

3. Confederação Brasileira de Judo
4. Black Belt Magazine – Artigos Online