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Você escolhe estar sozinho

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Publicado em 13/11/2015

Tantas coisas que eu quero dizer.

A primeira é que todos aqueles sentimentos que listei sobre a minha estreia nos ringues mudaram. Escolhi lutar pela segunda vez pra tentar tirar aquele medo que senti durante e após o primeiro combate – que não foi pouco!

Não era possível todo mundo falar que lutar era bom e eu ter sentido mais medo do que outra coisa.

Na segunda luta foi diferente. Outras coisas mudaram também. Por exemplo, na primeira luta foi muito forte o lance da preparação: ocupamos, meus treinadores e eu, o banheiro feminino do Pelezão, transformamos aquilo no nosso espaço. Todas as conversas antes de ir pro ringue, fazer a mão, a massagem, o aquecimento, tudo aquilo foi muito especial, até mais do que lutar.

Na segunda luta, no Arena Brazil, eu estava tão tensa com o medo de sentir o medo de novo que o foco pra dentro do ringue fez com que toda a preparação se torna-se apenas um “protocolo” para o que realmente importava. Nem liguei pra isso.

Entrei focada, e me senti completamente diferente.

Neste dia senti prazer em lutar! Tanto que apenas uma semana depois eu estava nos ringues de novo, e é sobre essa experiência que quero contar para vocês.

Certo dia, meu treinador falou que:

“Disciplina, determinação, lidar com as dificuldades e se manter focado é o que diferencia o lutador de outros esportes. Aqui não tem substituição em cima do ringue. É você do jeito que tiver dando o seu máximo!”

O fato de estar sozinho em cima do ringue, de não haver substituição é muito forte. Afinal, é o seu rosto que está lá pra receber os golpes. Mas isso não quer dizer que vocês está necessariamente sozinho.

Pois é, na minha primeira luta eu me senti muito sozinha na minha caminhada até o ringue – inclusive nos últimos treinos. Eu tinha certeza das pessoas que estavam do meu lado, mas por outro lado, tinha certeza que ninguém sabia pelo o que eu estava passando, eu era a única competidora da equipe naquele momento. Era uma sensação solitária, saca? A palavra exaustão tinha tomado outro significado, as dores que eu sentia e precisava ignorar, o cansaço e fadiga do músculo por repetir o mesmo movimento até tentar a perfeição e ter que continuar repetindo, nossa! Só eu sabia o que eu estava sentindo e era nítido quando eu olhava para os outros, ninguém mais sabia o que era aquilo.

Foi nessa também que entendi que “acabar o gás” é diferente de cansar, e pensava: gente, como vou explicar isso para os outros?

E as coisas que estavam passando pela minha cabeça? E pelo meu coração? Ah, esse tal psicológico…

Muitas vezes também me sentia sozinha até em relação aos meus treinadores. Eu precisava de mais feedbacks, e a pouca cobrança que eles me colocavam, eu, por pura loucura, acabava multiplicando por mil e isso, às vezes, fazia eu me afastar porque parecia que eles não estavam me entendendo. Dúvidas, chateações também fizeram parte do percurso. Sentimentos que se misturavam com carinho e a certeza que eles queriam o meu bem, parecia uma coisa de pai e filha.

Fato é que quando nasce um atleta novo, nasce um treinador novo também. E todos os ajustes precisam ser feitos, não devemos ser moldados por um único estilo de treino, além de termos tipos físicos diferentes, temos habilidades e personalidade diferentes. Eu fui a primeira competidora mulher que o Thiago Petrin treinou. Perguntei pra ele: ”Foi muito diferente me treinar por ser mulher?” Ele disse que sim. Até isso precisou ser pensado.

Nós dois sentamos pra conversar, pelo o que eu me lembro, umas 3 vezes pra falar sobre confiança que devemos ter no outro depois de possíveis desentendimentos. Construir a relação de atleta e treinador é construir um espaço de olhar pro outro, escutar o outro e falar com o outro. É construir um espaço de confiança mesmo.

Agora começo a falar sobre a minha terceira luta que aconteceu no último domingo, dia 8 de novembro, na inauguração do CT da Steel Team na academia Corpo Casa.

Eu estava tranquila, tinha lutado na semana anterior e muito feliz por poder lutar de novo. Meus treinadores não me cobraram essa luta, até me encorajaram a desistir já que eu não tinha me recuperado 100% da luta passada. Iam me apoiar se eu desistisse e me apoiaram quando eu decidi lutar mesmo assim, apesar de acharem loucura. Falei para o Felipe Zayas, meu outro treinador: “To no começo, agora é a hora de errar…” E ele me respondeu: “Japa, experiência é sempre bom. Lutar nunca é erro”.

Subimos no ringue, o primeiro round é aquela surpresa. Tinha visto a minha oponente na pesagem 2 dias antes e ao perceber que era mais alta, armei toda a luta na minha cabeça: achei que ela trabalharia mais na longa distância. Que engano, ela gostava mesmo é de encurtar (e era mais forte que eu). Eu, na emoção, comecei a me deixar levar pelo jogo dela, mas esse tipo de jogo exige bastante força e condicionamento físico e como era minha primeira luta de 5 rounds, fiquei receosa se conseguiria levar os 5 rounds desse jeito. Por isso, mudei a estratégia.

O sino tocou, primeiro intervalo. Foi aí que meu treinador me disse com precisão cirúrgica o que estava acontecendo na luta: “Japa, você com ela no clinch perde. Você longe dela, domina.” Não sei se estou me fazendo clara, mas se ele simplesmente me dissesse: “Não clincha, só dá teep”, talvez eu não entendesse a luta e não correspondesse ao seu comando como ele gostaria. Mas quando ele me fez entender a situação, foi muito fácil atuar em cima daquela tática. E a palavra DOMINA foi muito forte pra mim (desculpa, eu tenho um lance forte com palavras).

A relação, na construção treinador(a)/atleta, estava sendo afinada. De repente para o Iago (outro competidor da Furions que estreou nesse evento e ganhou por KO!), a frase deveria ser dita de outra forma, ou poderia ser dita de uma forma mais curta…mas pra mim, aquela era a frase certa e ele soube usá-la. O segundo round acabou, e neste intervalo e ele me disse: “Japa, é o round do nocaute. Você vai fazer isso e aquilo, entendeu?”

E eu fiz.

E? Nocaute!

Foi muito bonito ver o passo a mais que a nossa relação deu. E mais bonito ainda ver a construção da vitória sendo feita em conjunto.

A ‘moral’ de tudo isso é: você escolhe estar sozinho ou não nessa caminhada. Depois dessa, eu escolho não estar sozinha. Eu escolho estar com eles.

eu e meus treinadores

Foto: Sergio Saribera

Nota 1: Eu já tinha escrito sobre corners neste post, mas bem antes de lutar. É um prazer poder escrever de novo sobre esse tema em cima da minha experiência.

Nota 2: Esse texto quase caiu quando, acompanhando a série #porondeandei no canal Mais um Round, percebi que o Rapha Ribeiro, idealizador do Acervo Thai, faz suas viagens e lutas sem corners. Já é outro nível! Acompanhe seus vídeos, estão demais! Tanto que me inspirou fazer um da minha última luta, confira também! 🙂

Quem publicou?

Paula Yurie

Estudante e Ex-lutadora de Muaythai, mora na Tailândia, já foi patrocinada pela Tiger Muaythai e é blogueira do Acervo Thai.
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