Esse é um post bem simples, principalmente comparado com os últimos.
Mas é de coração, dos mais sinceros.
Essa sou eu contando algo que aconteceu comigo para que – talvez – seja útil para alguém que esteja lendo isso aqui.
Não quero começar dando desculpinhas para o que eu achei, inicialmente, que foi um fracasso meu. Mas talvez seja bom eu contar um breve histórico para contextualizar o que aconteceu.
Eu decidi, logo depois que comecei a treinar Muaythai que faria uma volta ao mundo, bem no estilo mochilão, ou seja uma viagem a custo bem barato, isso incluía alguns quartos ruins e muitas vezes comidas não muito saudáveis.
Como eu já estava tomada de amor pelo esporte, obviamente a Tailândia seria um dos lugares que eu visitaria e ficaria mais tempo para treinar.
Tudo isso aconteceu: despedida com frio na barriga, peguei vôo e comecei em São Francisco, Califórnia. Três meses depois eu cheguei na Tailândia sem ritmo de treino nenhum.
Bom, a diferença do meu treino aqui no Brasil e do treino que eu tive na Tailândia começa pela minha disponibilidade. Aqui eu não posso treinar tanto, tenho outras responsabilidades como o meu trabalho. Restam-me apenas as noites, que eu dedico três horas para treinar de segunda a sexta, e alguns sábados. Não posso mais do que isso.
Na Thai eu estava disponível 24 horas se fosse preciso, treinar o máximo que eu pudesse.
Passei cerca de 6 semanas na Tailândia, as primeiras três foram destinadas ao turismo: viagens pelas cidades, festas, festivais como o Yi Peng e Loi Krathong em Chiang Mai (coisa mais linda!).
Durante todo o tempo do mochilão, eu tentei fazer alguns treinos sozinha, pelo menos 2 a 3 vezes por semana eu corria, fazia sombra, exercícios usando o peso do corpo ou usando alguns elásticos que eu carregava na minha mala.
Em algumas oportunidades, quando eu passava mais tempo em uma cidade, eu procurava alguma academia para treinar.
Vou te contar que tenho algumas histórias em relação a isso: já quase chorei em uma aula, não fui aceita em 2 academias, eu fui em uma academia que odiei o treino e não voltei nunca mais, mas principalmente, que fui muito bem recebida e aprendi muito na maioria delas.
Mas nada disso chegava perto do meu ritmo de treino que eu tinha no Brasil, que repito de novo, é bem menor do que eu tive na Tailândia.
Bom, depois de 3 semanas passeando pela Tailândia, me “internei” no Sitsongpeenong Muaythai Camp.
Uso esse termo porque eu fiquei alojada, treinava manhã e tarde, almoçava e jantava lá, andava só com o pessoal do camp, assistíamos lutas pela TV ou íamos em estádios, falávamos sobre Muaythai o dia inteiro – INTEIRO! – o que me fez pensar que eu ou sairia dali amando mais o esporte ou odiando, tamanha saturação.
Felizmente, aconteceu a primeira possibilidade. Ufa!
O primeiro dia de treino foi bem pesado, morri no gás.
Não é novidade nenhuma para quem já foi para a Tailândia, mas para quem nunca foi, digo que os treinos são repetitivos e pesados. No Sistongpeenong aconteciam basicamente da seguinte forma:
Duas vezes por dia, 6 vezes por semana de 1 hora de corrida, 20 minutos de corda, um monte de rounds de sparring, outro monte de aparador, tudo de 4 minutos por 45 segundos, rounds de saco de pancada, clinch (pelo menos meia hora), obrigatórias como 50 chutes, 100 joelhadas, 100 frontais, shadow boxe, mais joelhadas, bloqueios, abdominais e barra. Isso dava umas 3 horas por período.
Quando pedia pra tomar água entre o aparador e os treinos no saco, Monlit, o treinador chefe falava que não: “Isso aqui é Muaythai”, ele dizia “Resistência!”… “Força, rapidez, faça barulho”.
Meu segundo dia foi melhor, terceiro também, no quarto dia, juro, eu já estava ok!
Lembro que logo que eu cheguei, o pai de um dos lutadores do ginásio veio conversar comigo:
– Você vai treinar manhã e tarde durante 15 dias seguidos sem tomar suplemento nenhum? Vitamina?
Respondi que não tomaria, nunca fui uma menina ligada a suplementos, nem sabia o que era isso.
Enfim, lá pro décimo dia meu corpo quebrou. Sei lá, a resistência foi lá embaixo, eu me sentia fraca como nunca tinha me sentido antes.
Acordei no dia seguinte às 5h30 para correr, coloquei o pé no chão e minha visão escureceu.
Sorte que deu tempo de pegar qualquer coisa pra comer e água…tudo foi voltando ao normal.
Meus treinadores daqui, coitados, me ouviam pacientemente. Lembro que essa manhã, fiquei conversando com um deles ao invés de sair para correr. Deitada, tentava entender o que estava acontecendo dentro de mim.
Meu outro treinador pediu para eu seguir treinando apenas 1 vez ao dia. Eu disse que não, que eu estava lá pra treinar e treinaria o máximo que eu pudesse, mesmo me sentindo doente.
Lembro que no meu pior dia, fazendo sparring, entraram dois chutes e um soco na costela. A dor me acompanhou por longos dias já que não sarava por contas dos treinos diários de clinch.
Lembro que respirar doía. Dormir doía. Fazer abdominal doía.
Monlit e os outros treinadores mal sabiam que quando eles pediam mais força e rapidez, eu estava dando o máximo de mim naquele momento. Juro, o máximo.
Eu tava lá, tentando ser o mais firme e o mais forte possível. Tentando equilibrar o cansaço muscular, a dor na costela, a fraqueza e o psicológico.
Às vezes a gente se sente sozinho. Porque eu estava realmente sozinha do outro lado do mundo, me sentindo doente, e por vergonha, não queria que ninguém soubesse que eu estava mal. Não quis dividir com ninguém que convivia comigo lá. Então por mais que eu tivesse com pessoas maravilhosas ao meu lado (e eu estava!), eu também estava sozinha. Ninguém nem sabia falar português.
Esse foi outro desafio que passei: tentar manter a calma.
Por sorte, começou um boato que uma campeã mundial chegara ao ginásio. Eu estava louca pra conhecer e treinar com ela, Karen Ousey. Mas o melhor episódio aconteceu com seu marido, Howard Hughes.
No fim do treino, ele apontou pra minha camisa e perguntou:
– Esse é seu time no Brasil?
– Sim
– Então eu conheço o seu treinador, o Thiago…
Não! Quais as chances? De alguma forma aquilo encheu meu coração e me senti mais próxima dos “meus”. De uma forma bem estranha esse acontecimento me deu muita força.
Fiz uma busca na internet e rapidamente li relatos e artigos que é normal muitos ocidentais irem à Tailândia e o corpo quebrar por volta do décimo dia de treino.
Não foi só comigo que isso aconteceu, apesar de nunca ter ouvido de nenhum brasileiro que foi a Tailândia que aconteceu o mesmo.
Mas hoje eu divido isso com vocês para quando vocês forem para lá, tomarem cuidado e não passarem pelo o que eu passei.
Imaginem só, é o sonho de muitos, envolve planejamento, esforço, juntar grana, deixar a família e o país… de repente tudo o que você quer está logo ali na sua frente: treinos e mais treinos no berço. O natural é você querer fazer absolutamente tudo, dar o máximo, não “perder tempo”, absorver tudo o que puder!
Mas minha dica é: se você não está acostumado com um treino intenso, comece mais leve e descanse mais. Um treino de nível tão elevado enfraquece o sistema imunológico. Então, você precisa ter cuidado especialmente lá, onde o clima é quente e úmido e os vírus circulam (esse termo é correto?) com mais facilidade.
Além disso, li outros relatos na internet de gente que teve overtraining e cansaço mental.
O período de adaptação inicial pode ser um pouco difícil, mas compensa! Ah, se compensa…
O dia que deixei o Sistsongpeenong não saí mais sentindo que eu fracassei. Aos olhos dos meus amigos eu não parecia ser uma pessoa fraca. Ouvi tanta coisa linda na minha despedida…
Ok, fraca talvez psicologicamente, porque no meu último dia, juro, me deu muita vontade de chorar – pela superação, pela saudades que sabia que ia sentir. Haha! Tenho muitas, mas muitas saudades daquele lugar.
Com o tempo fui me recuperando, cerca de 5 dias depois eu já estava bem. Mudei para Koh Samui e lá segui treinando normalmente, sem fraquezas ou qualquer coisa do tipo.
Espero de coração que esse texto sirva para vocês.
Beijos e boa semana!
🙂
Japa.