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John Wayne Parr e sua vida na Tailândia

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Publicado em 22/09/2016

“O quanto você quer algo e o que vai fazer pra conseguir isso?

Este era eu, me tornando lentamente o único ‘tailandês branco’ em Bangkok com 19 anos de idade.

Logo aprendi que o óleo thai aliviava as dores antes dos nossos treinos extenuantes.

Começávamos os da tarde num calor de 40°, pulando meia hora de corda descalços num chão de concreto. Depois sombra para aquecer antes de chutar os sacos de pancadas que pareciam rochas de tão duros.

Eu tinha que chutar o saco por 90 minutos até que todos os lutadores thais tivessem terminado de bater aparador. Aí eu era chamado.

Naquela época eram rounds de 5 minutos, com 10 chutes no início de cada rodada, outros 10 no meio e 10 nos 30 segundos finais.

3 horas de manhã, 3 horas e meia a tarde. 7 dias por semana.

O ginásio era comparado com uma cadeia. Você morava no campo, não podia ter desculpas para não treinar.

Depois da luta, ganhava 7 dias de folga.

Eu desaparecia para Pattaya, alugava um quarto com cama e água quente. Era bom falar inglês e comer hambúrguer.

Quando acabavam esses 7 dias e era hora de voltar para o campo, era deprimente saber que eu tinha que fazer tudo aquilo de novo até a próxima luta.

Na época, eu tinha uma relação de amor e ódio com o treinamento.

Mas olhando pra trás, eu não mudaria nada.

Eu vivi o sonho, mas na época era o pesadelo. Mas eu sabia que era isso que eu tinha que fazer para ser um ‘tailandês branco’.”

O depoimento acima foi retirado do instagram de ninguém menos que John Wayne Parr.

John Wayne Parr passando o óleo thai em seu campo na Tailândia

Ele é conhecido como um dos caras mais legais do mundo da luta. No entanto, dentro dos ringues ele é outro: “No dia da luta eu tenho más intenções. Eu quero destruir as pessoas.”

Ele foi campeão mundial 10 vezes e é considerado um dos melhores lutadores estrangeiros de todos os tempos, junto com lendas como Ramon Dekkers.

Ele passou 4 anos treinando na Tailândia na década de 90, num momento que era raro encontrar ocidentais por lá.

Por isso, podemos dizer que sua experiência é diferenciada comparada aos estrangeiros que vão para a Tailândia nos dias de hoje.

Por conta de tanta história ea preciosidade de sua fala, resolvi traduzir parte de uma entrevista para vocês.

Para ler a original e na íntegra, clique aqui.

Espero que gostem.

Como costumava ser o seu dia a dia na Tailândia?

Muito difícil. Nós treinávamos das 6h às 9h da manhã e comíamos mais ou menos às 10h. Depois, dormíamos e na parte da tarde treinávamos novamente das 15h às 18h30.

Em seguida, banho, janta e cama.

Sempre era esperado que no dia seguinte, você treinasse mais forte que no dia anterior.

Você mantém o mesmo regime de treinamento?

Sim, exatamente o mesmo. Nada mudou desde 1996.

Eu gostaria de falar sobre a primeira vez que você foi para a Tailândia, você chegou por lá com 19 anos completamente sozinho. Você poderia falar um pouco sobre essa experiência de chegar num país novo?

A primeira coisa que eu notei foi a diferença no banheiro, tanto no acento quanto por não haver papel higiênico. Ao invés disso, eles usavam água de uma mangueira.

O banho era se jogar água e sabão.

Eu dormi num chão de madeira durante 4 anos em um dormitório que compartilhado com 8, 10 pessoas.

No meio da noite, você poderia ter um braço ou uma perna sobre mim. Era melhor tirar logo antes que as coisas se tornassem íntimas (risos).

À esquerda, seu dormitório

Como os thais reagiam a você ? Naquela época, não havia muitos lutadores estrangeiros.

Eu fui o primeiro a ser aceito naquele campo. Na cidade onde eu morava não havia outro ocidental ao redor, às vezes eu ficava 2 ou 3 meses sem ver outro. Os thais se assustaram quando eu mudei pra lá. 

Eu me sentia especial por ser o único.

Em algum momento você duvidou do caminho que você escolheu?

Isso aconteceu provavelmente depois da minha luta com Orono. Tomei 21 pontos em cima da sobrancelha e doeu muito, acho que pegou alguma terminação nervosa.

Orono Por Muang Ubon e John Wayne Parr

A primeira vez que eu lutei, eu tinha 17 anos e um tailandês me nocauteou aos 30 segundos. Eu desenvolvi uma fobia em lutar contra thais por uns 2 anos.

Daí eu tive a oportunidade de me mudar pra Tailândia, e quando chegou a hora de lutar novamente foi um pouco assustador.

Além disso, foi a minha primeira luta que eu estava autorizado a usar os cotovelos. Um pouco antes de subir ao ringue, um dos apostadores veio até mim e me falou que me daria 1.500 bahts se eu ganhasse com uma cotovelada.

Eu distribui cotoveladas sem parar durante 4 rounds até que eu o nocauteei.

O senhor me deu os 1.5000 bahts e o meu medo de lutar contra tailandês se foi.

Eu ganhei minhas próximas nove lutas na Tailândia, o que ajudou a me tornar o Top 5 do Lumpinee Stadium.

Alguma vez você quis deixar a Tailândia ?

Passou pela minha cabeça, mas a luta tornou-se o meu modo de vida.

Eu odiava treinar porque era muito desgastante. Aí eu tinha uma luta e vencia. Eu estava na TV, nas revistas e eu era reconhecido.

Isso me dava gás para lutar, mas quando retomava aos treinos, eu começava a odiar de novo.

Era um ciclo que eu não conseguia me livrar.

Você acha que isso fez de você um lutador melhor? Você treina seus atletas dessa forma?

Definitivamente não. Você não pode tratar seus lutadores dessa forma aqui (na Austrália). Você não teria alunos.

Mas, na Tailândia, ou você treina sério ou você vai para a rua. Se você é uma criança de dez anos sem família, a academia se torna sua nova família. Essa é a sua única fonte de abrigo e alimento. Você se torna propriedade do ginásio. Você passa a treinar e a lutar por sua própria sobrevivência.

É assim que você se torna resistente.

Se você tem um bom ginásio, você começa a ganhar premiação em dinheiro. Você começa a fazer seus investimentos, comprar seus próprios livros da escola, seus próprios sapatos, seus próprios brinquedos, a sua própria bicicleta. Então você aprende dar o valor ao dinheiro.

Muitos ocidentais não deixam a casa de seus pais até seus vinte e poucos anos. Enquanto que na Tailândia, tem criança que sai de casa para o ginásio aos oito. E pode ser que não encontre seus pais por uns 15 anos.

Quando eu digo que eles são propriedade do ginásio, é literalmente propriedade do ginásio. Não há visita à família nos finais de semana.

Eles não dão a mínima, é apenas esperado que você gere lucro.

Você é um muito respeitado como lutador na Tailândia. E você tem uma perspectiva única  sobre a cultura tailandesa por ter chegado lá quando não havia influência ocidental.

Eu tive sorte por ter ido nessa época.

Quando fui aceito no ginásio, fui aceito como um tailandês, então eu não tinha que pagar mensalidade, como que se tem agora.

Eu vivia no acampamento de graça, treinava e comia de graça.

Eu dava 50% da minha bolsa pro ginásio. Hoje em dia, quando os estrangeiros vão, precisam pagar outras taxas a mais.

Hoje, os tailandeses não se importam se os estrangeiros deixam o campo. Considerando o meu caso, era importante que eles me treinassem duro para me deixar o melhor que eu poderia ser.

Só assim minha bolsa subiria e, consequentemente, eles poderiam receber mais dinheiro também. O dinheiro que eles investiram em mim, voltou dez vezes mais.

Quais são as principais diferenças entre os tailandeses e os estrangeiros?

Os tailandeses são super amigáveis. Eles são incríveis.

Eles podem ter 100 Baht em seu bolso e mesmo assim vão cuidar de você. Se você está andando na rua, e você está perdido, em vez de dar instruções, eles vão dizer: “Sobe na minha moto, vou te levar até lá.”. Ou se você estiver com frio, eles te dão um casaco.

Eles acreditam em fazer um bom Karma. Se um tailandês ganhar mil Baht, ele convida seus amigos para jantar. Os estrangeiros não, vão sozinhos.

Na Tailândia, eles dizem: ‘Hoje, eu tenho dinheiro. Amanhã, você tem dinheiro. Todos comem.”

É sobre a partilha.

Todo mundo é pobre, por isso, quando um pouco de dinheiro entra, todos precisam desfrutar do que é bom.

Em contrapartida, não irrite os tailandeses.

Eles são alegres, mas se você passar do limite, eles acabam sendo muito mal.

Em vez de lutar, eles podem pegar uma faca ou uma arma. A vida é muito barata lá. Portanto, se acontecer de você morrer, eles não se importam.

É uma cultura de extremos.

Que lições você levou da Tailândia para a Austrália?

Na Tailândia, eu fui extremamente pobre. Eu tive que pedir dinheiro emprestado para os tailandeses. Eu dormi no chão por quatro anos. Eu usei a minha mão para me limpar por quatro anos. Eu vivi em um país que eu não falava a língua deles. Eu lutei por minha própria sobrevivência, e agora eu luto pela sobrevivência da minha família.

Eu sei que posso lidar com qualquer coisa que a vida tramar pra mim. Eu vivi a adversidade e eu venci.

Como seus treinadores te preparavam mentalmente para as lutas?

Você treina tão duro que você já fica condicionado, de modo que a luta é como a cereja do bolo. Quando o sino toca, você sabe o que fazer ou esperar.

E era uma questão de sobrevivência. O prêmio em dinheiro era minha única forma de renda.

Você poderia falar como um lutador tailandes lida com o medo da luta?

A maioria dos lutadores tailandeses vêm da pobreza. Eles começam a lutar com uns sete ou oito anos de idade. Então, no momento em que chegam à adolescência, eles podem já ter tido uma centena de lutas.

É como ir para o trabalho. Assim como um jogador de tênis joga tênis, um corredor corre, um jogador de xadrez joga xadrez .

Esta é uma forma de tentar melhorar a si mesmos. Eles querem se tornar um superstar. Você começa na TV, e se você tiver sorte, vai se tornar capa de revistas. Assim como quem quer se destacar em alguma coisa, você quer se tornar um superstar e ganhar o reconhecimento das pessoas na rua.

Nos dias de hoje, há um monte de caras durões na internet. Mas alguém que realmente se coloca na frente de outro ser humano, troca socos, chutes, cotovelos e joelhos é, ao meu ver, um guerreiro de verdade.


E você? Como você lidou com o medo de lutar?

Eu amo isso.

Fui colocado na Terra para fazer uma coisa, e essa coisa é lutar contra outras pessoas. Eu queria ser um lutador desde que eu me conheço por gente.

Então eu conheci o muaythai, e desde a primeira vez eu disse pra mim mesmo que era algo que eu queria fazer para o resto da minha vida.

Não só fazer, mas ser o melhor.

Quero deixar um legado que vai viver muito tempo depois que eu partir .


O que passa na sua mente no dia de uma luta?

No dia da luta eu tenho más intenções. Eu quero ir lá e destruir as pessoas.

Eu não quero ganhar por pontos. Quero nocautear.

A adrenalina depois de nocautear alguém é incrível. Você quase não consegue dormir por cinco ou sete dias depois.

Se você pudesse engarrafar essa sensação pra vendê-la, você seria muito, muito rico.

É por isso que é tão difícil de se aposentar da luta.

Você está sempre à procura do próximo nocaute.

E se for um lutador fisicamente talentoso, mas mentalmente fraco? Como fazem pra fortalecer?

Na Tailândia, eles não têm tempo para esse tipo de pessoas.

Se você é um verdadeiro lutador, você luta. Você não precisa de pessoas para te elogiar.

Você faz isso porque quer.

Antes de uma luta, alguns lutadores imaginam todas as coisas que podem acontecer a eles na luta. Eles fazem isso para ajudar a si mesmos a se preparar mentalmente para o que pode vir: ser nocauteado, ossos quebrados.

Um monte de pessoas têm problemas com o nervosismo.

Minha teoria é que você tem que treinar duro, ter auto-confiança, e uma vez que você começar a duvidar de si mesmo, mude rapidamente o pensamento.

Vamos dizer que o meu adversário tem um bom soco. Eu não posso deixar que isso me abale. Caso contrário, eu vou ficar tão assustado que quando a campainha soar, ele realmente vai me bater.

Eu tenho que acreditar em mim mesmo e que nada que o meu adversário fizer pode me machucar. Saber que treinei bem na academia.

Você deve confiar nos seus treinadores e na sua estratégia de jogo.

Você mencionou em outra entrevista que as artes marciais podem ajudar a geração mais jovem desenvolver o caráter. Quais características você acha que as artes marciais podem ajudá-los a desenvolver?

Eu acho que praticar é uma forma incrível de ter foco e objetivos.

Hoje, você pode ser capaz de chutar cinco vezes. Talvez amanhã, dez, quinze ou até vinte.

Você pode aprender humildade fazendo sparring. Você pode ser atingido no rosto ou no estômago. Você pode ficar sem fôlego. Você pode se machucar. Eventualmente, você aprende que o treino em artes marciais dói muito. Então, se você é insolente com as pessoas, espere levar um soco na cara.

Na Tailândia, as pessoas mais velhas exigem o respeito de pessoas mais jovens, o que eu acho que é uma coisa boa. Você deve respeitar os adultos, seus pais, seus avós, e as pessoas que estão passando o seu conhecimento. Eu acho que a luta muda a vida das pessoas. Mesmo que seja apenas um treino leve ou sem contato. Nem precisa ser de Muaythai, pode ser Tae Kwon Do, Karate ou Jiu Jitsu.

Se  colocar em uma posição onde você tem que confiar em suas próprias habilidades te ajuda a crescer como ser humano.

Eu amo isso.

Eu acho que é perfeito para as crianças.

Quem publicou?

Rapha Ribrodi

Administrador & Fundador do AcervoThai, ex-lutador profissional, desenvolvedor web e consultor de dados. Migrou para a Tailândia em 2012, morou em Bangkok, Phuket, Ubon Ratchathani, Chiang Mai e Pattaya. Com mais de 10 anos no país de origem do Muay Thai, Raphael lutou nos principais estádios e eventos na Tailândia. Com mais de 60 lutas pela Ásia, ele se dedica a divulgar o esporte no Brasil, para ajudar a nova geração de lutadores brasileiros.
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