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A introdução do muaythai no Brasil: Uma breve pesquisa

A história de Nélio Naja e como o muaythai chegou ao Brasil

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Publicado em 28/09/2021

Está matéria tem sua pesquisa e texto produzido a partir do trabalho: “ELE MESMO CONTOU ISSO”: NÉLIO NAJA, A PRODUÇÃO DE UM MITO de Ivo Lopes Müller Júnior e André Mendes Capraro para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Link para consulta do artigo original: Artigo Download

Não importa de qual cidade ou estado você seja, o nome Nélio Borges de Souza será mencionado, ou melhor Nélio Naja. Figura quase mitológica dentro do muaythai brasileiro, é creditado como o introdutor do esporte em terras nacionais nos anos 1970.

Nélio nasceu em 1952 na cidade do Rio de Janeiro, mas pouco se sabe sobre sua vida pessoal nos primeiros anos de vida. Porém é fato que Nélio se formou faixa preta de Taekwondo, sendo um dos primeiros brasileiros a conseguir tal feito naquela época. É conhecido e documentado que treinou Taekwondo na cidade do Rio de Janeiro entre 1972 e 1976.

O Tae Kwon Do chegou ao Brasil em 1970 na cidade de São Paulo e seu introdutor foi o Mestre Sang Min Cho (livro para comprar na Amazon). Enviado pelo governo coreano, a pedido do General Choi Hong Hi, idealizador do Taekwondo, para introduzir oficialmente a arte marcial coreana no Brasil e com respaldo da ITF (Internacional Taekwondo Federation).

Nesse momento surge a Academia Liberdade, fundada por Sang Min Cho e outros, como Sang Min Kim e Kun Mo Bang, todos mestres de TKD que buscavam difundir ao máximo o esporte na cidade paulista. Dois meses depois chegaram ao país Kum Joon Kwon e Woo Jae Lee. Nélio Naja é citado no livro “Defesa Pessoal: Hoshin-sull do taekwondo”, por Woo Jae Lee ao dizer que conheceu Nélio no Rio de Janeiro em 1972 na Academia FRAMA e que Nélio se destacava muito por sua qualidade técnica. Em 1976 Nélio alcança a Faixa Preta 1º Dan e foi em busca de viver e sustentar sua família com o Taekwondo.

Porém Nélio estava no Rio de Janeiro com dois dos mestres mais conhecidos de Taekwondo naquela época, Woo Jae Lee e Yong Min Kim. Seria muito difícil conseguir espaço para dar aulas e crescer em uma situação como aquela. Esse é o primeiro passo para entender tudo que será abordado aqui sobre o Muaythai.

Ainda no ano de 1976 Nélio se muda do RJ para Curitiba, sua intenção era ministrar aulas de Taekwondo, porém logo após sua chegada, Hong Soon Kang, outro mestre coreano famoso chega à capital paranaense com a finalidade de expandir o esporte por lá e mais uma vez Nélio perde terreno. Em 1979 Nélio já estava ensinando muaythai.

Nélio começou a dar aulas na Vila Guaíra na cidade de Curitiba, porém sua estadia foi muito curta, logo se mudou para a Academia Muzenza, além de dar aulas em diversos outros locais, até montar sua própria academia chamada MUAYTHAI. Porém o nome utilizado na época para a modalidade era “boxe tailandês”.

 

Academia muay thai de Nélio Naja

OS PRIMEIROS ALUNOS E A ORIGEM DE TUDO

Welington Narany foi o primeiro faixa preta de boxe tailandês formado por Nélio após um mês de treinamento em 17 de maio de 1979. Por Narany já ser faixa preta de TKD, Nélio considerou que estava apto a ser faixa preta de boxe tailandês também. O segundo faixa preta graduado foi Flávio Molina e logo em seguida Luiz Alves. Todos oriundos do Rio de Janeiro.

A primeira geração formada em Curitiba contava com Reginaldo Moreira “China”, Ranhs, Ramalhete, Ricardo Romaneto, Rubens Melantonio Filho e Rudimar Fedrigo. O primeiro torneio interestadual foi organizado por Nélio Naja, Welington Narany e Flávio Molina e foi denominado: “desafio Curitiba – Rio de Janeiro” em 1981.

OS ALUNOS:

  • Sandro Lustosa participou da primeira excursão carioca que foi à Curitiba junto com Welington Narany e Flávio Molina treinar e conhecer Nélio Naja em 1980. Edinei Pedroso conviveu com Nélio Naja nos últimos anos de vida, após ele regressar a Curitiba.

 

  • Reginaldo China, treinou e ministrou aulas na academia MUAYTHAI fundada por Nélio Naja. Júlio Cesar “Carioca “conheceu Nélio Naja na época em que ele iniciou seu trabalho com o Taekwondo em Curitiba, também treinou o Boxe Tailandês em Curitiba e Rio de Janeiro.

 

  • Fábio Noguchi conheceu Nélio Naja no período em que ele estava regressando ao Rio de Janeiro, indo até lá realizar o exame de faixa preta. Augusto Cunha conviveu com Nélio Naja no regresso ao Rio de Janeiro.

 

abaixo tabela com as entrevistas feitas para esse trabalho:

Quadro dos entrevistados sobre o tema

Rudimar Fedrigo foi o primeiro aluno de Nélio a se desvincular do método de ensino e criar sua própria academia a mundialmente famosa CHUTE BOXE. Welignton Narany também se desentendeu com Nélio. O motivo era que Narany a época era contra cobrar taxas para obter a faixa preta ou cobrar mensalidade maior para aulas individuais, pontos que Nélio queria introduzir na academia.

Após esse rompimento Nélio se torna um ermitão, viajando para várias cidades, e não contando seu paradeiro a ninguém. Com a explosão do Vale-Tudo e posteriormente do MMA nos anos 1990, o muay thai ganhou muita popularidade e surge pela primeira vez a citação do termo “mestre” e “grão-mestre” dentro do boxe tailandês no Brasil.

Júlio Cezar “Carioca” formado por Nélio tentou leva-lo para dar aulas em alguns locais no RJ, porém Nélio dizia não ter mais ligação com o muay thai e, portanto, não havia mais interesse em ensinar.
Sendo assim em 2000 Nélio apresenta outra Arte Marcial o Kuro Tora, um sistema de combate com foco em sobrevivência, quebramento e uso de armas brancas. Em 2010 foi reportado que Nélio Naja estava morando em um ônibus abandonado dentro de uma escola de treinamento tático da PM, após perder contato com sua ex-esposa e filhos. Em 12 de Julho de 2017 aos 65 anos Nélio morreu de causas naturais em uma casa de tijolos não acabada.

AS HISTÓRIAS DE UMA ORIGEM

De acordo com Welington Narany, Fábio Noguchi e Rudimar Fedrigo, Nélio contava a eles que seu pai recebeu em sua casa um tailandês, que ficou um tempo hospedado lá, e nesse período ensinou o muay thai ao Nélio. De acordo com Narany, Nélio dizia que tinha abandonado o Taekwondo para se dedicar completamente ao muay thai.

Ao ser questionado sobre essa informação, Rudimar concorda com Narany ao afirmar que “O Nélio contava isso para nós” não questionávamos ele. Porém Reginaldo China, Júlio Cesar “Carioca” apresentaram outra versão da história. Ambos contam que Nélio já faixa preta de TKD contava que treinava muay thai na Embaixada da Tailândia, os seguranças o treinavam, além de fornecer material direto da Tailândia.

No livro “Diamante – A História de Luiz Alves Lenda do Muay Thai e MMA” escrito por Claudia Reis e José Alberto Rodrigues há o seguinte relato:
Nélio, paraquedista militar e também faixa preta em Taekwondo, havia
passado dois anos em Bangkok, capital da Tailândia, onde se especializou
em Muay Thai. A história que ele contou para a turma da Naja, segundo
lembra mestre Aroldo Vieira, que integrava a equipe de Molina, era que
por ser budista, religião predominante na Tailândia, havia ganhado
uma passagem de um grupo de religiosos para disputar um mundial de
Taekwondo no País. Ao descobrir o Muay Thai, decidiu ficar por lá para
aprender a arte marcial. Foi assim que o Nélio Naja conheceu o Muay Thai,
que a gente chamava de Boxe Tailandês. (REIS; RODRIGUES, 2018, p. 42).

 

Portanto podemos constatar que há ao menos três versões da origem do muay thai no Brasil, são três histórias contadas por pessoas que estavam lá no começo de tudo, mas mesmo assim não existe consenso sobre os fatos.

UM MILTAR ENTRE NÓS

Todos os nomes citados nesta pesquisa relatam, porém, um ponto em comum, a adoração de Nélio pelo militarismo. Afirmando ser paraquedista no Batalhão de Infantaria da Aeronáutica – BINFA na cidade do Rio de Janeiro, Nélio vestia-se com roupas camufladas, se portava como um militar e buscava amizades com militares ou pessoas ligadas as Forças Armadas. Nélio deveria ter prestado serviço militar entre os anos 1971 – 1972, porém em contato telefônico com a secretaria da BINFA, o nome Nélio Barbosa de Souza nunca prestou serviços as Forças Armadas, nem nunca foi um paraquedista.

Aliás, verificando o histórico da Brigada de Infantaria Paraquedista, suas missões internacionais iniciaram-se apenas nos anos 1990. A primeira missão na Ásia ocorreu somente em 2002 em Timor Leste, o Exército nunca esteve na Ásia nos anos 1970 em nenhuma missão com a BINFA. Portanto a afirmação de uma viagem à Tailândia para missão militar com a Brigada de Infantaria Paraquedista de Nélio nos anos 1970 não é correta.

A REAL INSPIRAÇÃO
Há um ponto em comum com todos os entrevistados que chama a atenção. O anime (desenho japonês) SAWAMU – O DEMOLIDOR. Sandro Lustosa afirma que o desenho teve papel fundamental na origem do muay thai no Brasil.

Sawamu estreou na TV brasileira em 1976 na TV Record e fez um grande sucesso no país. Contando a história real de Tadashi Sawamura, carateca japonês que após lutar e perder para um tailandês decide aprender muay thai para ser melhor como lutador. O desenho mostra todo o treinamento e desafios passados por Sawamu para se tornar um grande lutador.

Portanto SAWAMU é destacado como forte influência e referência para o começo do muay thai no Brasil. Alias, no desenho é usado o termo “Kick-boxing” e a partir desse ponto Rudimar Fedrigo usou essa referência para criar o nome Chute Boxe.

A CONCLUSÃO FINAL

Nélio tinha como objetivo viver da luta, tinha no Taekwondo seu Norte já que se destacava no esporte. Porém com a chegada de mestres coreanos para ministrar aulas no Rio de Janeiro e Curitiba, o mercado ficou restrito demais deixando Nélio sem perspectivas. Com os conflitos de informações dos próprios alunos e a pesquisa realizada em 2019 chegamos as conclusões:

1. Nélio não possuiu registro no exército, não prestou serviços a Força Aérea e nunca foi paraquedista, se houve alguma ligação, teria sido entre 1971 – 1972, porém nada foi confirmado pelo próprio Exército Brasileiro. Missões na Ásia começaram apenas após o ano 2000, nunca houve missão militar nos anos 1970-1980 com a BINFA.

2. A embaixada Tailandesa declarou aos pesquisadores que nunca houve nenhuma forma de ensino ou permissão para tal, por ser solo internacional as leis da Tailândia são soberanas, e nada há registro sobre alguém ensinar ou fornecer material a Nélio.

3. Sobre a viagem de Nélio a Tailândia para disputar o mundial de Taekwondo, segundo a Federação Mundial de Tae Kwon Do (WTF) nunca houve campeonato em solo tailandês, dado confirmado no próprio site da entidade que lista todos os campeonatos realizados desde os anos 1970. A Federação Internacional de Taekwondo (ITF) também não possui registro de campeonatos em solo tailandês. Ou seja a história da viagem a Tailândia para competir no TKD não é real.

4. Sobre o vizinho ou a visita de um tailandês a casa dos pais de Nélio, não há confirmação alguma, nenhuma foto, nenhum documento, nada que seja uma prova do que foi dito, portanto entra no hall de apenas uma história.

Portanto Nélio foi uma grande farsa que mentiu e iludiu a todos? Não. A história nunca será simples e rasa dessa forma. Nélio foi vitima da situação, isso não quer dizer que ele seja vitima de suas histórias. Podemos dizer que o desenho Sawamu deu o empurrão para a criação de uma nova forma de combate, Nélio pensava não ter futuro no Taekwondo, portanto achar algo novo era urgente.

Sabemos que Nélio não conhecia o Muaythai em sua forma correta, sua real referência eram informações dadas por um desenho animado dos anos 1970. Com toda certeza a base do Taekwondo foi fundamental para a criação do “boxe tailandês” já que todos ali eram oriundos do Taekwondo.  Alguns se tornaram “faixas pretas” em poucos meses, e o sistema de treinamento era uma mistura de treino militar com o próprio Taekwondo.

É importante ressaltar que todos os envolvidos naquela época seguiam as ideias de Nélio mesmo sem ter a certeza de suas histórias, porém no final dos anos 1970 não havia como confirmar nada. Lembre-se, não existia internet.

Porém a situação criou uma pequena revolução dentro da Arte Marcial no Brasil. A trocação ganhou força, surgiu a CHUTE BOXE, uma das melhores academias do mundo nos anos 1990-2000, criou desafios contra o Jiu Jitsu Gracie no Rio de Janeiro. Foi, portanto, o começo que deu vida ao Vale-Tudo nacional, criou lutadores que se tornaram famosos no mundo e hoje temos o MMA. A criação de Nélio deve ter seu valor devido a tudo que aconteceu depois. Mas não, Nélio não introduziu o muay thai no Brasil.

O muaythai de verdade chegou ao Brasil somente no começo do ano 2000, principalmente pelas mãos de Sandro de Castro, treinador líder da Thai Center na cidade de Santos-SP. Nesse período Sandro, Leonardo Monteiro “Amendoim” e Cosmo Alexandre viajaram a Tailândia para treinar e lutar. Leo e Cosmo ficaram no País, Sandro ao voltar ao Brasil começou uma pequena revolução. Até aquele momento as regras e o entendimento do que era de fato o muaythai aqui no Brasil era quase zero.

Ninguém sabia explicar regra, que naquele momento era baseado no kickboxing, ninguém fazia ideia do uso de Mongkon, Prajied, Kruang, ou qual a função do Ram Muay. Até o começo dos anos 2000 ninguém no Brasil praticava muaythai de verdade. A mudança está na conta de algumas pessoas como Sandro, Leo, Cosmo entre outros que viajaram a Tailândia para buscar de verdade o entendimento do esporte e viver dele. Graças a essas pessoas, hoje escrevo para o Acervo Thai.

Que Nélio Naja descanse em paz!

Rudimar Fedrigo (Chute Boxe) E Nélio Naja

Texto original: Ivo Lopes Müller Júnior e André Mendes Capraro
Adaptação: Tiago Simão

*Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR, Brasil. E-mail: ivojunior11@yahoo.com.br; andrecapraro@onda.com.br

Quem publicou?

Tiago Simão

Editor Chefe Acervo Thai Brasil, fundador da revista Muaythai Em Foco e apresentador do Podcast Muaythai Debate. Trabalha na área de Marketing do setor da construção civil.
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