Recebi várias perguntas via rede social a respeito de textos divulgados no Facebook afirmando que lutadores morrem na Tailândia. O motivo seria em decorrência da prática do Muaythai.
Procurei a íntegra dos textos citados para entender quais eram as referências, as fontes e motivos da publicação. Infelizmente o texto citado não apresentava fonte de pesquisa, nem material para consulta. Porém me chamou à atenção o responsável pelo texto afirmar que no Brasil as regras do esporte eram diferentes por causa desse fato.
De acordo com o texto, as regras no Brasil seriam diferentes exatamente para evitar mortes dentro do esporte. E ainda afirmava que na Tailândia essa preocupação era mínima, já que o País sendo 95% budista enxergava com outros olhos a essa questão. Portanto de acordo com o texto, lutadores morrem na Tailândia, mas não há problemas. Mas será mesmo?
CONHECENDO UM JUIZ DO LUMPINEE STADIUM
Thanong – Tiago Simão
Em 2017 passei 65 dias morando e treinando em Bangkok, Tailândia. Tive a honra de conhecer Thanong, um dos melhores juízes de Muaythai Profissional do país, vencendo 6x o prêmio de melhor juiz do ano. Thanong é juiz oficial do Lumpinee Stadium, que por si só já o qualifica muito. E com toda minha cara de pau resolvi perguntar a ele sobre as tais mortes dentro do muaythai.
Com muita simpatia Thanong foi categórico:
Trabalho como juiz há 30 anos, e nunca presenciei um caso de óbito dentro do muaythai profissional. Lutadores não morrem lutando muaythai.
O JORNALISTA DO MUAY SIAM SE APRESENTA A CONVERSA
Mallulem – Tiago Simão
Durante minha conversa com Thanong surge Ali Maluleem, jornalista do Muay Siam, hoje o maior jornal sobre Muaythai em circulação na Tailândia (que está migrando 100% para o digital). Interessado no “gringo” que vos fala, Maluleem entra na conversa. Aproveito e pergunto ao jornalista sobre tais óbitos dentro do esporte.
Rindo da situação, Maluleem me diz:
Em trinta anos como jornalista, dentro do muaythai profissional nunca presenciei um caso de morte dentro do ringue.
Todo mundo é parcial?
Você pode argumentar comigo que um juiz do Lumpinee e um jornalista jamais seriam honesto com um estrangeiro xeretando assuntos delicados, e concordo com você. Afinal, todos ali poderiam ser parciais para preservar seus próprios trabalhos. Pensando nisso graça a ajuda de um grande amigo tive acesso a documentos muito interessantes.
O livro médico do Lumpinee Stadium
Livro médico do Lumpinee resgatado em 2014
Livro médico do Lumpinee resgatado em 2014
Na foto acima temos o livro de registros médicos do Lumpinee Stadium, um item raro nos dias de hoje, nele constam aproximadamente cinquenta anos de registros de lutas e anotações médicas. Os livros foram achados durante a demolição do antigo Lumpinee em 2014.
- A última morte em um ringue
De acordo com Hardy Stockmann autor do livro Muay-Thai the Art of Siamese Un-armed Combat, no começo de 1971 houveram registros de 6 mortes, sendo 3 dessas por KO. Porém o caso mais famoso é do lutador Sirimongkol Looksiripat, melhor lutador do ano em 1972, que recebeu o apelido de “o executor”. Durante sua segunda luta profissional, aplicou uma joelhada no peito do seu adversário chamado Usmannoi Luklong, que causou uma parada cardíaca e a morte do mesmo ali no ringue.
Sirimongkol Looksiripat
Essa situação mexeu demais com a cabeça de Sirimongkol e a partir desse ponto, toda luta que ele fazia enviava 400-500 bahts para a viúva de seu oponente. A intenção era que a viúva cuida-se da filha de seu oponente. Sirimongkol faleceu em 2019 devido a problemas no coração.
Sirimongkol e a viúva de seu oponente
- Inventando regras e histórias
De fato, muito no Brasil é falado para justificar atitudes que beiram o estelionato. O Muaythai Profissional possui apenas uma regra, mesmo entidades internacionais como a WPMF, WBC e WMC, reconhecidas pelo governo Tailandês em seus respectivos sites confirmam tudo.
Se não segue a regra profissional, ou é muaythai amador (outro esporte), ou é kickboxing. Não existe “regra asiática”, não existe “Muaythai Regra K1“, aliás “K1 ” é marca registrada, evento criado em 1993 e não um estilo de luta.
Mas serei democrático, o espaço está aberto para questionamentos, caso você tenha como provar mortes ou até mesmo a existência de outra regra dentro do muaythai profissional, por favor, entre em contato. Caso contrário você apenas é mentiroso, possível estelionatário passível de processo criminal.
Notas:
Os casos mais recentes de óbito ligados ao Muaythai são dos lutadores Luktoy F.A Group, e Jordan Coe. Luktoy morreu em 2016, decorrência de um AVC após passar mal durante o treino e não obedecer a ordem médica de repouso por 45 dias após sofrer um nocaute. Jordan Cole morreu após uma parada cardíaca em decorrência do processo de corte de peso que estava fazendo sozinho.
Lukthoy FA Grouop
Jordan Cole
Fotos: Paulo Kawai e Alamy Photo Stock
Fonte de pesquisa:
- Muay-Thai the Art of Siamese Un-armed Combat – Hardy Stockmann 1976
- Inveting Traditions for a national Symbol – Peter Vail