Vou contar uma coisa que talvez vocês já saibam: Eu nunca lutei.
Pelo menos não por enquanto. Acho que esse dia chegará em breve, até poderia falar sobre isso, mas fica para uma próxima.
O máximo que cheguei perto de uma luta ou de um ringue não apenas como uma espectadora, foi acompanhando alguns lutadores em suas lutas.
Foram 4 lutadores em 3 oportunidades: Thiago Ferrari e Paulo Feu Neto em Santos, Sakayapap Sitsongpeenong em Bangkok e Vinícius Zani em Koh Samui.
A primeira oportunidade, em maio de 2014, meu treinador fez questão que eu estivesse com eles na preparação e próxima ao corner como parte da minha formação. Lembro daquela sensação do novo, do cheiro de óleo no vestiário, aquele monte de lutadores, uns fazendo sombra, outros batendo aparador, uns deitados quietinhos e cobertos esperando a sua próxima luta.
Fazer a luva, passar o óleo, massagem, aquecimento no aparador, fazer uma pequena oração, colocar o Mongkon… ver todos esses procedimentos de perto fez com que meus olhos brilhassem ainda mais. Ainda mais junto com eles que eu gosto tanto. Minha equipe, pô…
Eu estava tensa. O Thiago Ferrari é bem especial pra mim. Ele foi primeiro cara que acreditou em mim no Muay Thai. E também era a primeira luta do Paulinho… havia uma ansiedade no ar, eu podia sentir. Não só minha, não só deles… mas de muita gente.
Depois, em novembro de 2014, quando eu treinava no Sitsongpeenong, fui acompanhar a luta do Sakayapap no Rajadamnern Stadium. Eu lembro que eu estava tão fascinada com as lutas que desencanei de entrar no vestiário. De certa forma eu me arrependo desse vacilo, mas desse acompanhamento também tirei uma lição que foi complementada com a experiência em Samui. Que é exatamente o ponto que eu gostaria de tratar aqui: a tranquilidade.
Saímos do ginásio no horário combinado, não havia tensão. Parecia um dia qualquer. Entramos na van, um dos treinadores dirigia, o outro estava no passageiro. O lutador e mais outros 2 meninos que foram para ajudar no corner colocaram X-Men para assistir no caminho. Mesmo, parecia um dia qualquer.
Lembro de, na hora da luta, olhar para o treinador que estava no corner e ver como ele reagia. Eu estava ali do ladinho e só ficava tentando decifrar o que ele falava ao mesmo tempo que eu o admirava.
Sakayapap Sitsongpeenong perdeu a luta. Voltamos juntos para a van e seguimos pra casa assistindo o resto do X-Men.
Simples assim.
Não sei exatamente como são as cobranças para esses meninos que moram e lutam pelo ginásio. Até já vi em um ou outro documentário, mas não sei como funciona de fato no Sitsongpeenong. Então, só estou relatando o que eu vi e o que me fez pensar sobre a relação com as perdas, como pode ser diferente do que eu já tinha pensado até então.
No Sitsongpeenong eu também acompanhei a pré luta do Changpuak Jetsada Pongtog, o dono de uns chutes mais lindos que já vi. Até o som no aparador sai diferente, saca? Sua luta foi num sábado no Canal 3. Ele também estava sempre tranquilo, treinava sério, conversava comigo (ele foi um dos caras que me fez pensar novamente sobre lutar, tipo o que tá escrito lá no comecinho) e falou que depois de sua luta ia ter uma festona na sua casa, acho que independente da vitória ou derrota. “You, my home, after fight, big party. Everybody, everything.” – coloque nessa frase o sotaque tailandês! 🙂
Acho que é essa tranquilidade dos thais que é tão bonita. Sabai Sabai, dizem eles.
Depois, em Koh Samui, conheci o brasileiro Vinícius Zani.
Treinávamos no Nuch Muay Thai Camp (ex Pairojnoi Camp), e enquanto eu estava lá ele fez sua segunda luta.
No dia, eu fui com a equipe, o Vini já tinha ido. O Phetchbuncha Stadium divulga suas lutas o dia inteiro na praia de Chaweng, seja com o carro de som ou desfilando os lutadores da noite na caçamba de uma caminhonete. Vini já tinha ido para o tal ‘desfile’.
Encontramos com ele, entramos no estádio e seguimos em direção ao vestiário. Todos os lutadores estavam lá, num espaço pequeno. Apenas duas meninas lutariam naquela noite, estavam nesse mesmo lugar também.
Uma delas, russa se não me engano, estava sozinha de boa mexendo no celular. Seus corners ainda não tinham chegado e ela não parecia se importar muito com isso. Eu pensava: “Se fosse eu, sozinha, como reagiria?”
Mais uma vez a tranquilidade de todos aqueles que iam lutar me impressionava, inclusive do Vini. Nesse momento começaram a cair algumas fichas.
Um moleque perdeu a luta. Voltou para o vestiário como se nada tivesse acontecido.
Virei pro Vini e falei:
– Tadinho, perdeu a luta…
E o Vini me respondeu:
– Tadinho nada, Japa. Ele tá nem ligando, olha aí… – enquanto isso o menino ria, quase gargalhava – ele só quer lutar e pegar o dinheiro dele.
Caramba! Mais uma vez meus olhos saltaram… acho que naquele momento eu entendi uma coisa que eu não tinha entendido ainda.
Não estou falando que Muay Thai é um lugar de mercenários que só pensam em grana. Não mesmo. O que eu estou falando é que eu entendi o óbvio, que pessoas vivem disso, é um trabalho. Assim como eu acordo todos os dias de manhã na maior tranquilidade (na verdade meio de mau humor) pra ir trabalhar, todos esse lutadores estavam lá fazendo o mesmo. Eles lutam basicamente uma semana sim outra não, e estar lá me fez enxergar essa realidade.
Não é um hobby, não é status. Eles não estão lá simplesmente pra perder peso.
Eles decidiram ser responsáveis por isso. É a vida deles, tem objetivo e sonho envolvidos. E me relacionar com essas pessoas me fez ter mais respeito por elas e pelo esporte.
Eu penso que não deve ser fácil, mas para eles parecia tão fácil… Talvez pra ‘quem é’ fica mais fácil porque há vontade. E, de certo, todos eles estavam lá tranquilos sabendo exatamente o que queriam. Sozinhos ou não.
E quanto a importância de estar tranquilo no Muay Thai, acredito que essa montagem com o Yodsanklai traduz muito:
Beijos,
Japa.
Confira abaixo as fotos que eu tirei no dia da luta do Vinicius Zani vs Sotong e para saber mais sobre aquecimento de atleta antes de subir ao ringue clique aqui.