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O primeiro desafio estrangeiro ao muaythai registrado

No século 18 marinheiros franceses desafiaram o muaythai e a história quase termina em tragédia

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Publicado em 22/03/2024

O Desafio de dois irmãos franceses em Bangkok (1788), apareceu na maioria dos trabalhos escritos sobre a história do muaythai, pois foi um episódio de um grande evento que estremeceu as relações diplomáticas estrangeiras no reinado do rei Rama I.

A única fonte primária do conflito é encontrada nas Crônicas Reais da Tailândia (publicado em 1938), em língua tailandesa. Desde então, muitas versões em tailandês e inglês apareceram. O mais reverenciado, entre os relatos tailandeses, é o artigo intitulado “Somdet Phra Ratchawong Borwon versus Farang”, de Tha-Kha-Yi, lançado na edição de Muay Extra (No.3/1964), que contou o desafio em detalhes, como um prelúdio para a história muaythai vs wrestling. 

Crônicas Reais da Tailândia – 1939

No desafio francês, todos os relatos tailandeses não deram nenhum nome, e o pano de fundo era apenas que os dois irmãos vieram de navio. Em um único livro em inglês, “Muaythai a Living Legacy” deu o nome dos dois lutadores como Jean-Baptiste Ferreol e Jean-Baptiste Louis, em missão diplomática da França, sendo o primeiro um boxeador, no final do século XVIII. A versão apresentada, diz o autor, carecia de credibilidade por ser mais ficcional, com um gosto um tanto francófilo (aversão a franceses).

Em 1786-90 foi uma época de intensas campanhas marítimas por parte das potências ocidentais, expandindo a influência individual no Extremo Oriente. A revolução siamesa de 1688 viu os franceses e suas forças serem expulsos da Tailândia, após a queda de seu monarca visionário, o rei Narai, o Grande. As ligações diplomáticas com a França foram reduzidas a quase nada, com os poucos jesuítas que sobreviveram ao expurgo permanecendo na austeridade.

Este foi o período crítico em que o regime de Nguyễn Phúc Ánh (阮福暎) no sul do Vietnam enfrentava um perigo iminente, e o drama se desenrolou quando um homem, o padre católico francês Piere Joseph Pigneau de Bahaine, veio em seu socorro.

Os navios da marinha francesa estiveram fortemente envolvidos na campanha na época. O autor identificou que, além de navios mercantes que transportavam mercadorias e pessoas ao redor do Extremo Oriente, seis a oito fragatas (canhoneiras) operavam nas rotas entre Pondicherry (base francesa na Índia), Saigon, Bangkok e Cingapura. Deduz-se que um dos navios tinha feito uma excursão a Bangkok na época dos factos.

No histórico Tratado de Versalhes de 1787, na sequência dos incríveis esforços de Pigneau de Béhaine – ele levou consigo o príncipe vietnamita Canh, de cinco anos, para criar sensação em Paris – o rei Luís XVI prometeu a intervenção francesa para ajudar o regime atingido. Esta foi a época às vésperas da Revolução Francesa, e o grande império estava em crise, tanto politicamente como com a sua economia em frangalhos.

Assim, no caminho de volta ao Vietnã, Pigneau com seus dois navios, o La Dryade e o Pandour, partiu da França para a Índia, chegando a Pondicherry em maio de 1788, com o major Dayot (provavelmente com seu irmão mais novo) a bordo. O padre ficou ali preso, por alguma duplicidade devido a complicações em Paris, até junho de 1789, quando navegou com um comboio corsário de quatro navios, mobilizados pelos seus próprios esforços. O comboio finalmente chegou ao extremo sul do Vietnã, em julho de 1789.

A descoberta do autor é que antes da viagem, o Major Dayot, primeiro pegou o Pandour, um brigue de 212 toneladas e 14 canhões, e navegou com seu irmão Felix Dayot (17) para Bangkok via Saigon, em uma missão secreta, conectada com Nguyễn Ánh que foi apoiado pela corte siamesa.

A data do desafio, até onde pôde ser determinado, foi em meados de março de 1789 (antes de 22 de março), pois essa linha de data, no antigo calendário tailandês, estava dentro da Era Budista de 2331, daí a confusão nos registros.

Descobriu-se que, após o desastre de Bangkok, os irmãos retornaram à Índia, onde o mais velho Dayot abandonou o Pandour, enquanto Pigneau se reagrupava, para tê-lo no comando de sua nau capitânia, a St. Esprit. Posteriormente, Pigneau navegou de volta da Índia para o Vietnã, com seu comboio de quatro navios. O resto é história popular vietnamita.

Pigneau morreu no Vietnã, mas suas tropas lutaram para reinstalar Nguyễn Ánh ao trono em 1802, como fundador da Dinastia Nguyen, coroado Imperador Gia Long (嘉隆帝).

Mas os seus tenentes, Jean-Marie Dayot, e o irmão Felix Dayot (também general Felix Prosper Dayot), permaneceram ao serviço da marinha vietnamita no novo regime. Os irmãos deixaram a corte do Vietnã em 1795 após um incidente. O Dayot mais velho retirou-se para Manila, enquanto o mais novo instalou-se em Macau. Este último morreu em 5 de março de 1821.

Por último, Felix Dayot tinha dezessete anos (nascido em 1772) na luta. Mas ele não era muito jovem? Foi uma época de conquista e expansão imperial, a época marcada pela decadência do antigo regime (aristocracia), e uma locução criada pela Revolução Francesa de 1789.

Os irmãos Dayot

Os adolescentes ingressaram no exército e começaram a matar pessoas, enquanto os mosqueteiros, muitos deles com apenas 15 anos, tinham reputação de comportamento indisciplinado e espírito de luta. Essa era a moda social antes de 1755.

Jean Baptiste-Marie Dayot, nascido em 1759, foi um aventureiro que ingressou na marinha francesa. Ele era um pugilista, mas não estritamente um lutador desarmado. A prática não existia na França, segundo a crença comum, até depois das Guerras Napoleônicas (1803-1815), onde os soldados franceses encarcerados em celas britânicas aprenderam as habilidades com os presidiários locais.

Os Dayots foram treinados em luta livre e foot boxing (savate) que começou a ser popular na França a partir de meados do século XVIII, como a antítese do boxe inglês.

O COMBATE

Em resumo, na História Política da Tailândia, de BJ Terwiel , uma excelente leitura, um trecho diz: “O irmão mais novo do capitão era um pugilista de algum renome e enviado para desafiar os siameses por meio de Krom Phraklang (um ministro do governo)”.

O relato de Wenk afirma que este pedido foi transmitido ao próprio Sua Majestade o Rei Rama I, que iria então discuti-lo com os seus ministros. “O rei consentiu, seguindo o conselho do Maha Uparat, pois pensava-se que, caso contrário, alguém seria exposto à acusação de covardia”, escreveu Wenk há mais de 200 anos. “Cinquenta moedas de prata foram reservadas como prêmio para o vencedor.”

A soma de 50 chang era de 4.000 baht, uma quantia bastante grande na época. O venerado Maha Uparat, segundo o relato de Wenk, “supervisionou pessoalmente” os detalhes da partida. Antes da luta, o lutador tailandês foi esfregado com óleo e ervas. Isso é bastante comum de ver em uma luta de Muay Thai, antes, depois e entre os rounds.

Conforme relata BJ Terwiel, “Na luta, o francês aparentemente tentou se aproximar do boxeador siamês, mas este, de acordo com as regras siamesas, manteve-se fora de seu alcance, ocasionalmente avançando para desferir um golpe e saltando para trás sempre que o francês avançava.”

Menos se sabe sobre o estilo de boxe francês do século 18, e o savate, também chamado de chausson, não existiria por mais algumas décadas. As lutas violentas estavam na moda na Grã-Bretanha, até mesmo enfeitando o Royal Theatre; os relatos, no entanto, parecem concordar que não foi um caso elegante.

Os relatos divergem quanto à causa da insatisfação dos europeus. Wenk relata que foi o óleo escorregadio usado no lutador tailandês que causou a frustração, mas isso não é mencionado nas Crônicas Dinásticas.

“Os europeus não estavam familiarizados com esta técnica ágil e, impacientemente, o capitão saltou para o ringue e agarrou o siamês para forçá-lo a ‘dar batalha’”, relata Terwiel.

Com isto, o uparat não podia permitir que esta ofensa permanecesse; Maha Uparat mencionado aqui era o cargo mais alto do país, perdendo apenas para o próprio rei. O próprio “Grão-Vice-rei” entrou no Royal Rumble e derrubou o capitão francês com um chute.

Nas palavras de Terwiel: “Irrompeu um pandemônio geral”.

Os irmãos foram tão espancados que foi necessário carregá-los de volta ao navio no Chaophraya. Felizmente, o Rei Rama enviou-lhes ajuda médica, mas o navio decidiu que já tinha Muay Thai suficiente e depois que os irmãos se recuperaram, eles deixaram Bangkok para sempre.

 

Fontes para pesquisa: 

. História Política da Tailândia, de BJ Terwiel

. Pesquisas e textos publicados pelo Sr Alex Tsui em sua página pessoal

 

Quem publicou?

Tiago Simão

Editor Chefe Acervo Thai Brasil, fundador da revista Muaythai Em Foco e apresentador do Podcast Muaythai Debate. Trabalha na área de Marketing do setor da construção civil.
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