Muito se fala da importância da faixa preta dentro da arte marcial, o símbolo máximo do praticante. Porém recentemente me deparei com esse texto: A decepção no Karatê. O texto fala sobre os problemas que o Karatê enfrenta com seu sistema de Dans aqui no Brasil. Para entender melhor essa questão de graus, faixas e reconhecimento, vamos começar pela era samurai.
- UMA BREVE HISTÓRIA DE SAMURAI
O Japão sempre foi um País isolacionista, ou seja, mantinham raros e breves acordos comerciais com estrangeiros. Holandeses e Portugueses tinham acesso razoável, inclusive a introdução do arcabuz, arma de fogo tipo mosquete no Japão foi devido ao comércio com Portugal. A lenda que samurais não utilizavam armas de fogo é apenas uma lenda. O uso era comum, tanto que o próprio governo solicitou que seus armeiros estudassem o design da arma para que a mesma fosse replicada por eles.
- Modelo tanegashima produzido do século XVI
A prática marcial durante todo o período feudal era focado nas práticas da espada, combate corpo a corpo, arco e flecha e lança. Todos determinados pelo sufixo “Jutsu”, ou seja “técnica”. O termo correto era Bushi, ou seja, soldado/guerreiro. O termo “Samurai” significa “aquele que serve”, o conceito da classe guerreira como classe social quase intocável que temos hoje graças a filmes e videogames surgiu apenas após o Xogunato Tokugawa (1603 a 1868).
Portanto durante todo esse período não havia “faixa” ou “graduação”, o serviço era militar com um único objetivo; guerra. Todo feudo era composto de soldados treinados para defender seu Daimyo (Líder feudal).
- A LENDA SOBRE ESFORÇO E FAIXA PRETA
A primeira coisa que devemos derrubar é a lenda sobre os lutadores nos tempos antigos usarem sempre a mesma faixa, ela seria branca e com o passar dos anos com muito esforço a faixa ia escurecendo devido ao suor, sangue e poeira, até se tornar preta. Isso é um mito sem comprovação alguma.
- A ORIGEM DA GRADUAÇÃO EM CORES
Jigoro Kano é uma das figuras mais conhecidas dentro do meio marcial, conhecido como o fundador do Judô, começou estudando Jujutsu com origem no Bujutsu (técnicas de combate utilizadas no período samurai). Em 1882 Jigoro Kano Sensei funda a Kodokan.
Fato importante é que graças a ideia isolacionista japonesa as artes marciais eram proibidas de serem ensinadas a estrangeiros ou mesmo a civis. O ensino era repassado no formato de Menkyo, ou seja, uma licença concedida pelo Dojo ao aluno experiente para ensinar outros. E Menkyo Kaiden representava a licença para repassar o conhecimento completo da arte. Porém tal licença era bem rara.
Jigoro Kano começou a ensinar civis, estrangeiros e qualquer pessoa que tivesse interesse em aprender. Esse foi o primeiro passo para a quebra do paradigma do ensino da Arte Marcial se tornar acessível. Não foi um processo simples, mas deu certo.
Já em 1907 Jigoro Kano introduziu o uso do Judogi (kimono) e já utilizava duas faixas. Azul Claro (alunos) e Preta (instrutores). Os dois primeiros alunos a conquistarem a “faixa preta” foram Shiro Saigo e Tomita Tsunejiro.
Já na década de 1930 outras cores foram acrescentadas ao sistema de ensino já que o esporte tinha se tornado bastante popular mas o nível de aprendizagem variava muito. Portanto a intenção da graduação foi apenas separar de forma mais clara os alunos mais dedicados e instruídos.
A relação com “mestres” e posteriormente “grão-mestre” está ligado ao Menkyo, a autorização ou licença de alguém com um grande conhecimento da Arte para que alguém possa repassar esse conhecimento. Portanto, dentro do conceito marcial, ser Mestre é deter um conhecimento vasto sobre a arte. Dominar conceitos práticos e filosóficos e uma capacidade de ensinar de forma completa esse caminho.
A FAIXA PRETA É APENAS O COMEÇO
Existe uma ideia errada no ocidente que a faixa preta é o final da jornada dentro da arte marcial. O grau preto seria a comprovação que o lutador sabe muito, porém isso não é verdade. Dentro das artes marciais japonesas existe o termo “Shodan”. Em tradução simples Shodan seria “o começo do caminho”, ou seja, a faixa preta é apenas o começo dentro do caminho.
O estudo da arte marcial se inicia de fato na faixa preta, não que haja segredos, mas a real dedicação começa nessa etapa. Portanto chegar a faixa preta apenas é sinal que o caminho está só começando.
Muaythai faixa preta e sua importância
Já falamos aqui sobre dentro do muaythai profissional não haver graduação, isso é um fato. Há instituições que certificam professores e treinadores com autorização do governo da Tailândia. Temos a IFMA trabalhando com o muaythai amador e a KMA trabalhando com o muay boran.
Mas quando falamos em graduados sérios, estamos falando de pessoas com ao menos vinte anos trabalhando dentro do esporte. São profissionais que treinam campeões, lutadores de elite e coordenam campos há muitos anos.
Aqui no Brasil são pessoas que treinam em horário comercial, não sabem a diferença entre jogo e estilo, acham que Nai Khanom Tom inventou o muaythai e são “grau preto”. Seu único argumento? Fizeram o exame de graduação “lutando” contra X pessoas, portanto estão aptos.
Ele não conhece a história do esporte, não sabe explicar conceitos básicos sobre a formação cultural que envolve seu esporte, não sabe ou não estuda questões técnicas. Porque sim, o muaythai está sempre em evolução. Mas não há problema, ele é grau preto mesmo assim.
Me deparo todo dia com títulos como Arjan, Kru, Mestre e Grão Mestre. Importante explicar que tanto Kru como Arjan definem um professor, seja ele de qualquer área. Arjan apenas define um professor com maior qualificação, mais experiente.
O termo mestre e grão-mestre são invenções modernas, assim como o número de Dans após a faixa preta dentro do Karatê, Judô ou Jiu-Jitsu. Muito longe de um certificado clássico, onde um mestre de verdade atestava a qualificação do aluno. Hoje 2 mil reais resolvem esse problema. Alguns inclusive utilizam selos de IFMA e KMA ou outras para legitimar seu trabalho, porém basta uma busca rápida em sites e e-mails dessas entidades para constatar que o nome do “mestre” não consta em lugar algum.
Cuidado com quem você chama de professor.
Nota do editor:
Sensei é uma palavra em japonês usada como um título honroso para tratar com respeito um professor. A tradução literal desta palavra é “aquele que nasceu antes”, já que o kanji correspondente ao “sen” significa “antes” e o kanji “sei” significa “nascimento”.
Fontes para pesquisa:
- “Jujutsu and Judo; What Are They?” Tokyo: Kodokwan
- Jujutsu and the origins of Judo
Editor responsável: Tiago Simão.