Lutas femininas na Tailândia é um assunto no mínimo obscuro. Todos sabemos que mulheres não podem lutar em estádio, não podem usar mongkon para entrar no ringue, já que elas entram por debaixo das cordas. Mas por quê? A resposta mais simples seria: tradição. Mas qual tradição? Budista?
A resposta real é: Ninguém sabe ao certo.
Após pesquisar afundo sobre o assunto chegamos no livro Violence and Control: Social and Cultural Dimensions of Muay Thai Boxing de Peter Vail, escrito em 1998. Nele consta a história que na primeira transmissão para a TV de um evento no estádio do Rajadamnerm (1974), uma repórter foi ao estádio, e naquele dia vários acidentes ocorreram. A culpa caiu sob a mulher presente no local. Isso fez com que os estádios proibissem a presença feminina na área de luta.
Porém essa história não possui outras fontes de confirmação, sendo assim talvez ela esteja incorreta. Para os tailandeses a história teria como protagonista uma enfermeira. Contam que durante um evento no estádio Rajadamnerm o médico não estava presente, apenas sua assistente (enfermeira). Após um KO violento a enfermeira entrou no ringue para prestar os primeiros socorros. Todas as lutas da noite após esse ocorrido terminaram em lesões sérias, KO e cortes profundos. A enfermeira teria sido culpada.
Duas histórias que se cruzam
Ambas as histórias são de tradição oral, não há de fato registro histórico sobre isso. É como se a lenda se tornasse a regra. O que chama a atenção é que a proibição é bem mais explícita no estádio Lumpinee do que no Rajadamnerm. A tradição diz que monges budistas e pessoas ligadas as tradições hindus são responsáveis por purificar os estádios, ringues e criar uma proteção espiritual no local.
A crença budista de corrente Theravada proíbe que monges tenham contato com sexo oposto, porém essa proibição não está ligada a nada contra a mulher em si. Os relatos sobre os “problemas” causados por mulheres são dos anos 1970, porém alguns tailandeses afirmam que seria anterior a isso. Mas nada há documentado.
ALGUMAS INFORMAÇÕES
A escritora Jennifer Gampell publicou dezenas de artigos sobre a cultura tailandesa, incluindo a respeito das lutas femininas. A primeira informação vem do promotor Amnuay Kesbumrung que durante o final dos anos 1960 afirma a Jennifer que promovia lutas femininas no Lumpinee, porém após 3 anos, desistiu devido a falta de interesse do público. Porém não há documentação confirmando ou negando tal informação.
De qualquer forma não há outro registro a respeito de lutas femininas na Tailândia até a criação do estádio Rangsit em 1996/1997. A grande diferença do Rangsit foi possuir dois ringues, um para homens e outro para mulheres. Além da chancela da entidade WMC (conselho mundial de muaythai) criado em 1996. Portanto as informações são contraditórias e muito confusas a respeito de lutas oficiais. Com toda certeza em cidade pequenas várias meninas lutam como forma de sobrevivência.
O documentário abaixo retrata duas meninas de 8 anos Stam Sor Con Lek e Pet Chor Chanachai lutando em eventos rurais para ganhar dinheiro e ajudar suas famílias. Portanto há sim diversas meninas lutando na Tailândia, mas infelizmente a documentação/registo disso é quase nulo.
A EQUIPE FEMININA DE 1974
Em 10 de setembro de 1973 segundo o livro Muay-Thai-the-Art-of-Siamese-Un-armed-Combat (Hardy-Stockmann-1976), após o gigante sucesso da luta entre Muhammad Ali e Ken Norton (vitória por pontos de Ali), um evento com 5 lutas femininas foi programado, e duas terminaram em KO. Criando assim uma discussão nacional na Tailândia, porém novamente não há mais informações sobre o evento.
Durante o ano de 1974, nove lutadores tailandesas viajaram ao Japão para um desafio Muaythai vs Kickboxing. Naquela época era o auge desse tipo de desafio. A programação seriam de 6 meses em turnê promovendo a luta feminina. As regras seriam as mesmas das lutas masculinas. Essa informação é confirmada no livro . Porém não há informações mais detalhadas sobre esse evento.
CONCLUSÃO
Tudo o que sabemos sobre o assunto é muito obscuro, não há registros formais, não há documentos em fotos ou vídeos, estamos lidando como uma lenda basicamente. Porém após a virada do ano 2000 as coisas estão mudando e eventos cada vez mais buscam mulheres para por em seu cartel, veja nossa matéria sobre: As melhores lutadoras de muaythai atualmente
OS REGISTROS DA HISTÓRIA
Abaixo filmagem feita em 2 de Junho de 1990 em Londres, Anne Quinlan (ENG) vs Don Kong Far (THA), possivelmente a primeira transmissão de luta feminina de muaythai na TV fora da Tailândia. O combate foi de 5 rounds por 3 minutos de descanso, Importante dizer que essa luta também foi transmitia na Tailândia ao vivo.
https://www.facebook.com/watch/?v=1047782175255912
Abaixo você confere o que seria a primeira luta feminina chancelada na Tailândia. Em vídeos da SN-TV encontrados pela equipe do Acervo Thai na central de arquivos da AP (banco de dados), foi localizado frames da luta entre Kamnang Porthipmaturos vs Nongnim Sitkosin de 01/10/1998 em Bangkok.
Em entrevista para a TV, Kamnang Porthipmaturos que já estava chegando aos 30 anos e tinha pela frente a jovem Nongnim Sitkosin 10 anos a menos. Disse que lutar era algo importante, pois dessa forma poderia levar dinheiro para sua família. Nongnim Sitkosin, apesar de ser mais nova e ter menos experiência que sua adversária, conseguiu desenvolver um bom jogo e venceu a luta. Uma das diversas curiosidades entorno deste combate é que o árbitro central era homem. Atualmente, lutas femininas são conduzidas em sua maioria por mulheres como árbitro central.
Fontes para pesquisa:
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Violence and Control: Social and Cultural Dimensions of Muay Thai Boxing (Ithaca, Cornell University), Peter Vail - 1998.
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Silvie Von Dougllas - 8 Limbs - Women in Lumpinee, Thai Female Fighters in the 1990s, Rangsit History.
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https://gampell.com/publications.htm
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Imagens AP MetaData - SNTV